Cabral movimentou US$ 100 milhões, diz MPF
Um “oceano” ainda não completamente mapeado. Foi assim que os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio definiram o patrimônio da suposta organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) entre 2007 e 2014. Até aqui é possível atestar que circularam pela organização pelo menos R$ 366 milhões. Essa quantia, porém, representa apenas parte do que foi desviado dos cofres públicos.
O montante enviado para contas no exterior foi identificado a partir da colaboração premiada de dois operadores do dinheiro, os irmãos Renato e Marcelo Chebar. Foram mapeados no exterior US$ 101,465 milhões e 1 milhão em diamantes – que estão na Suíça e ainda não foram repatriados -, de acordo com o procurador Sergio Pinel, membro da força-tarefa.
Também entram nessa conta outros R$ 39,7 milhões gastos pelos membros da quadrilha entre 1.0 de agosto de 2014 e 10 de junho de 2015, segundo uma planilha fornecida pelos colaboradores. É uma média de aproximadamente R$ 4 milhões por mês em despesas pessoais, como viagens e restaurantes.
As fases anteriores da Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato no Rio, apontaram que o grupo ligado a Cabral te-ria recebido propinas de empreiteiras, desviando cerca de R$ 220 milhões de obras como a reforma do Maracanã e o PAC. Mas ainda não é possível dizer exatamente para onde foi todo esse dinheiro. Parte dele pode ter sido expatriada e entra nos US$ 100 milhões carimbados na nova fase da operação, mas isso não ficou comprovado.
Em uma ação inédita, R$ 270 milhões foram recuperados pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal e já estão no País. Segundo Pinel, em princípio, esses recursos devem ficar depositados em uma conta judicial até o trânsito em julgado das ações contra Cabral e companhia. Nada impede, entretanto, que o Estado do Rio e a União, partes que teriam sido lesadas no esquema, pleiteiem esses recursos. Nesse caso, o pedido teria que ser analisado pelos procuradores e pela Justiça.
Esquema. Cabral recorria a um complexo esquema de contas no exterior para ocultar o dinheiro ilegal. A acusação aponta uma lista de nove contas bancárias, onde o dinheiro das propinas seria depositado, em instituições bancárias na Suíça, Luxemburgo, Bahamas, Uruguai e Andorra. Cabral também teria tido uma conta no Israel Discount Bank of New York, afirmam os procuradores. O esquema teria começado quando o ex-governador ainda era deputado estadual no Rio, cuja Assembleia Legislativa presidiu.
A existência das contas foi revelada pelo colaborador Renato Hasson Chebar, que é operador do mercado financeiro. Em depoimento, ele contou que, por volta de 2002/2003, o deputado, que já o conhecia, o procurou, assustado com o escândalo do Propinoduto (recebimento de propinas por fiscais de impostos do Estado, que tinham contas ilegais no exterior). Ca-
bral não estaria envolvido nesses desvios, segundo o colaborador, mas manifestou preocupação com a conta no Israel Discount Bank. No encontro, que teria sido testemunhado por Sérgio Castro de Oliveira (conhecido como Serjão ou Big), Cabral perguntou se Chebar poderia receber em contas suas o dinheiro que tinha depositado na conta “Eficiência”.
Segundo a denúncia, “o colaborador concordou, tendo os valores sido transferidos para duas contas de sua titularidade de nome “Siver Fleet” e “Alpine
Grey”. Após a transferência, essas duas contas passaram a ser alimentadas por operações de dólar-cabo, feitas por Serjão ou Big com Renato e o irmão Marcelo Hasson Chebar. O dinheiro ilegal era entregue em reais para que os valores correspondentes em dólar fossem creditados para Cabral. Essas operações acumularam US$ 6 milhões entre 2002 e 2007.
“A movimentação dos recursos não se deu apenas por meio das contas acima mencionadas.”, prossegue a denúncia. “Após o Israel Discount Bank
de Nova York (IDB/NY) ter sido vendido, a nova administração expurgou operadores do mercado ilegal de câmbio, tendo os colaboradores migrado os recursos para diversas outras contas em paraísos fiscais, tais como: 1) Orly Trading junto ao HSBC em Genebra; 2) Hus-tar/Bendigo junto ao Hapoalim Bank em Luxemburgo; 3) White Pearl junto ao BSI Bank em Genebra; 4) Winchester junto ao BSI BANK em Genebra; 5) Black Pearl junto ao BSI Bank em Bahamas; 6) Arcadia Associados junto ao Winterbotham no Uru-guay; 7) Candance Inc. junto ao BPA Bank em Andorra; 8) Andrews Development S.A., junto ao BSI Bank em Bahamas; 9) Clawson Enterprises, junto ao banco BSI Bank Bahamas (…).” Em 2007, a partir da posse de Cabral no governo do Rio, Ser-jão teria sido substituído por Carlos Miranda. O procedimento, segundo os procuradores, era o mesmo, mas o volume de dinheiro aumentou. Isso tornou impossível encontrar pessoas para as operações de dólar-cabo. Por isso, o grupo teria passado a usar os serviços de um doleiro conhecido como Juca ou Juca Bala, que tinha estrutura maior para as operações. Renato disse que prestava contas a Cabral, em média, quatro vezes ao ano, sempre no apartamento do ex-governador, no Leblon.
Fonte: O Estado de São Paulo
