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Breves considerações sobre o Seguro Garantia no Brasil

Tendo surgido no Brasil em 1967, através do Decreto Lei n° 200/1967, inspirado no modelo estadunidense de Performance Bond e inicialmente concebido para garantia de contratos firmados no âmbito do Governo, induvidoso que o Seguro Garantia foi submetido à inúmeras alterações legislativas desde sua implementação no cenário brasileiro. A exemplo podemos citar o fato de que hoje verificamos sua utilização em contratos firmados entre particulares, bem como uma gama variada de modalidades de coberturas (Judicial, Performance, Aduaneiro, Licitação, Financeiro, etc).

Pela dinâmica do Seguro Garantia, o Tomador realiza a contratação de uma apólice perante a Seguradora, com o fito de salvaguardar a obrigação assumida junto ao Segurado, cabendo ao Tomador o pagamento do prêmio à Seguradora, muito embora a relação disciplinada na apólice contratada pelo referido Tomador diga respeito aos direitos e obrigações entre a Seguradora e o Segurado, este último terceiro de boa-fé.  

Caso haja o inadimplemento de obrigação assumida pelo Tomador junto ao Segurado, coberta pela apólice de Seguro Garantia emitida, pode o Segurado comunicar a expectativa de sinistro junto a Seguradora a fim de que esta promova a regulação de sinistro e, decorrida a regulação e confirmado o inadimplemento do Tomador, a Seguradora realize o cumprimento das obrigações previstas na apólice, a qual variará a depender da modalidade de Seguro Garantia contratada.

Por outro lado, a relação constituída entre Tomador e Seguradora que dá origem à emissão da apólice pressupõe a celebração de Contrato de Contragarantia (no mercado conhecido como “CCG”), instrumento pelo qual as Partes disciplinam direitos e obrigações no que diz respeito a possibilidade de emissão de várias apólices de seguro garantia em favor do Tomador (comumente chamado de contrato guarda-chuva), através do qual são estabelecidas obrigações de ambas as Partes, inclusive para fins de gerenciamento do risco e, não raro, hipóteses de vencimento antecipado em razão de mudanças de perfil societário, creditício e até mesmo reputacional do Tomador.  

O CCG permite que as Seguradoras tenham menor exposição ao perdimento dos valores, posto que, além de possibilitar hipóteses de vencimento antecipado, contemplam algumas disposições que instrumentalizam a sub-rogação e auxiliam o ressarcimento de eventuais valores despendidos em virtude de sinistros.

Atualmente regulado pela Circular da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) de nº 662/2022, cediço que o Seguro Garantia apresenta inúmeros benefícios aos seus contratantes posto que, em razão do pagamento de um prêmio em favor da Seguradora, o Tomador pode apresentar uma garantia no bojo de um contrato ou processo judicial/administrativo sem comprometer a totalidade do valor em discussão e – por conseguinte – tem a possibilidade de manter seu fluxo de caixa ou até mesmo o seu limite de crédito perante a instituições bancárias, dado que usualmente não comprometem o patrimônio do Tomador por ocasião da emissão.

Todavia, mesmo com todos os benefícios que este produto de seguro oferece aos seus contratantes, inúmeros são os desafios experimentados em sua utilização no dia a dia. Isso porque, ainda que advindo de uma legislação há muito promulgada, na prática ainda é possível verificar a estranheza e o desconhecimento das relações intrínsecas do produto, o que ainda pode tornar sua capacidade de aceite menor se comparada com outras modalidades de garantias tradicionais e disponíveis no mercado (tal como fiança bancária e a própria caução em dinheiro).

Especialmente no que tange ao Seguro Garantia Judicial, é possível verificar que a Apólice emitida para assegurar o cumprimento de uma obrigação assumida em processo judicial possa ser vista como sendo uma ordem de pagamento ou até como uma espécie de salvo-conduto, que permite ao Segurado transitar além dos limites da apólice, sem a observância dos procedimentos estabelecidos no referido instrumento.

Tal fato vai contra a previsão do art. 757 do Código Civil Brasileiro, uma vez que as Seguradoras acabam expostas a um risco maior do que o assumido no momento da subscrição, em virtude do desconhecimento ou equívoco do Segurado de como funciona o acionamento do Seguro Garantia. Em outro passo, e isso não se restringe unicamente ao Seguro Garantia Judicial, muitos Segurados veem maior facilidade em acionar diretamente à Seguradora, antes mesmo de reportar eventual possibilidade de saneamento do inadimplemento junto aos Tomadores, imputando à Seguradora a responsabilidade em resolver até mesmo conflitos entre Tomador e Segurado, alheios à sua condição de garantidora subsidiária ao Tomador.  

Induvidoso que tal prática não deveria se sustentar posto que acaba por esvaziar a possibilidade de o Tomador adimplir sua obrigação junto ao Segurado, acarretando sua frustração, na medida em que do ponto de vista regulatório e contratual a Seguradora apenas está autorizada a agir conforme procedimentos da apólice e responsabilizar-se por riscos cobertos e subscritos.

Evidente que profissionais atuantes neste ramo do mercado segurador possuem inúmeras experiências a compartilhar neste sentido e, por isso, essa chamada à reflexão é plenamente válida. Isso porque, mesmo decorrido tanto tempo do surgimento do Seguro Garantia no panorama brasileiro, não se faz consentâneo admitir a ocorrência de tantos entraves técnicos com relação à compreensão do produto.  

Ainda hoje inúmeros são os desafios com relação à sua instrumentalização, sendo o maior deles decorrente da falta de compreensão técnica do produto no mercado, o que acaba por expor as Seguradoras a riscos maiores que os subscritos quando do momento da contração pelo Tomador. De igual modo, tais entraves podem acabar por reforçar uma ideia de baixa credibilidade com relação este produto no mercado, posto que – mesmo que nas vezes em que o seguro garantia seja aceito no lugar de uma garantia tradicional – muitas vezes o acionamento do seguro garantia acaba sendo desvirtuado, colocando a seguradora na posição de responsável solidária integral com o Tomado,, e tendo aplicação distinta daquela prevista quando de sua contratação originária, que prevê a responsabilização subsidiária da Seguradora.

Glaucia Maria Benicio e Lohana de Lima Fita

Glaucia - Advogada especialista em Direito Securitário, com experiência de mais de 5 anos no mercado de seguros. Bacharel em Direito em pela Universidade Candido Mendes. Pós graduada em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Especialista em Contratos pela Fundação Getúlio Vargas.
Lohana - Advogada especialista em Direito Securitário, com experiência de mais de 10 anos no mercado financeiro e de seguros. Bacharel em Direito em pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

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