BC e Fed pedem cautela com euforia
A economia mundial não vai cair 1,7%, não, mas 2,9% em 2009. A previsão feita pelo Banco Mundial provocou uma onda de pessimismo nos mercados mundiais e nas bolsas, incluindo a nossa, que caíram em média 4% em apenas um dia. No Brasil, não se trata apenas desse mercado: todos os ativos financeiros foram atingidos e ainda buscam se refazer.
Mas será que só essa previsão negativa explica o que aconteceu? Afinal, é apenas uma entre muitas, e não a mais aceita, que é a do Fundo Monetário Internacional (FMI). Não, não explica. O nervosismo que dominou o mercado mundial e a derrocada das bolsas e dos ativos financeiros deve ser interpretado como um fenômeno subjacente bem mais sério. É o otimismo prematuro que vem dominando o mercado. No Brasil, somente neste ano, a bolsa já se valorizou quase 40%. Até ontem, 32% mesmo depois do baque.
Está surgindo no mundo, nos últimos meses, um clima de alívio e quase otimismo injustificável. Com as medidas de Barack Obama, o mercado financeiro americano começa a se estabilizar. A recessão não foi contida, mas não se aprofundou. E países emergentes, com exceção da Rússia, dão mostra de voltar a crescer. É o começo do fim? Não, apenas o fim do começo. Não há razão nenhuma para a euforia das bolsas que, dizem (mas os fatos não provam), antecipa o futuro. E muito menos no caso atual. Nada, absolutamente nada, justifica prever que a crise financeira e econômica passou e que estamos voltando à normalidade.
MEIRELES PRUDENTE
O presidente do Banco Central confirma isso com extrema felicidade em entrevista ao correspondente do Estado, em Paris, Andrei Netto, nesta terça-feira: “As correções dos mercados nos últimos dias podem continuar e confirmam o que temos dito recentemente. Não há espaço para dizer voltou ao que era antes”. E “vamos partir para a exuberância novamente”. “As correções foram um alerta para aqueles que apostam que os preços das commodities e do real só vão subir e que o dólar só vai cair.”
Para Meirelles, o pico da crise foi superado, mas a instabilidade prossegue porque a recuperação da economia mundial será “lenta, gradual e sujeita a muitas variações”.
Ou seja, é preciso evitar o retorno a um comportamento do passado pouco responsável, em que o excesso de capitais associado à queda persistente dos juros provou a euforia irracional dos investidores.
E quando falo de investidores, no caso dos Estados Unidos, incluo não os grandes especuladores, mas os fundos de pensão dos aposentados, das velhinhas que aplicaram suas poupanças em investimentos ousados e perigosos porque rendiam mais, muito mais. Os administradores não lhes disseram que não eram seguros.
Todos perderam. Os que tinham menos perderam mais; os que tinham mais, puderam sobreviver. Outros, não. E todos têm sido socorridos pelos governos, agora “acusados” de intervencionistas no sistema financeiro, como se assim pudessem classificar bombeiros num grande incêndio ou o cirurgião que abre um coração e salva uma vida. Ambos voltam para casa depois. No caso do governo, essa volta será mais difícil, mas se a recuperação do paciente foi consistente, não haverá mais lugar para ele. É o que está acontecendo, muitos bancos estão devolvendo o dinheiro que receberam como ajuda. Os médicos e os bombeiros continuam de plantão.
FED CAUTELOSO TAMBÉM
No fundo, é isso também o que pensa o banco central americano. Em sua reunião de ontem, decidiu não mudar em nada sua política anticíclica. Manteve os juros em torno de zero, assim como todas as medidas excepcionais para manter a liquidez do mercado, estimulando o crédito e a demanda. Vai continuar injetando dólares na economia, mesmo porque, não há sinais de risco de inflação.
O comunicado oficial do banco central americano afirma que o consumo continua restrito pela perda de emprego e renda e “a atividade econômica vai permanecer fraca por algum tempo antes de retomar”. Só o ritmo da queda na recessão diminuiu. No fundo, o Fed afirma que pouco mudou e o que mudou foi pouco.
Nos Estados Unidos, pode-se mesmo dizer que, enquanto o desemprego continuar aumentando e os preços dos imóveis não reagirem, a recuperação fica adiada. E não há ainda sinais disso.
SEM ESTRATÉGIA AINDA
O Fed também ainda não se apressou em definir a “estratégia de saída” da recessão. Não aceita a ideia de se projetar um novo aumento do juro e outras medidas para quando a recessão passar. Apesar das pressões de alguns, até mesmo de ministros das Finanças, acha que não é hora para falar disso, o que confirma seu pouco entusiasmo com a retomada de crescimento neste ano. “A declaração sugere que o Fed decidiu manter o curso presente e não há nenhuma menção explicita àquela estratégia”, afirma Milan Mulraine, analista do mercado ao Wall Street Journal. “Não há surpresa nisso, embora devesse esclarecer”, acrescenta David Greenlaw, do Morgan Stanley. “Talvez trate do assunto no depoimento que fará ao Congresso em 21 de julho.” Isso indica que ainda não viu a saída com mais clareza. Os cenários mostram que o comportamento dos mercados está se descolando da realidade e já existem analistas alertando para o risco de uma espécie de bolha. É verdade que houve mais compras porque os ativos financeiros haviam se desvalorizado muito. Mesmo assim, porém, as altas foram decididamente exageradas para despertar o alerta do presidente do BC, Henrique Meirelles. O passado exuberante não voltou e projetá-lo para o futuro é no mínimo uma imprudência que, se mantida, pode trazer turbulências graves para uma economia fragilizada. E podemos voltar para trás quando temos de seguir em frente após ter recuado tanto.
Fonte: O Estado de São Paulo