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As metamorfoses dos irmãos Campana

No mundo encantado de Fernando e Humberto, com jeito de Monteiro Lobato, cabem as reinações das grandes feiras de design européia ou figuras mitológicas como o Saci-pererê e a mula-sem-cabeça
Fernando Campana se lembra bem quando ouviu pela primeira vez a frase atribuída ao general Charles de Gaulle sobre a nação deitada eternamente em berço esplêndido. E mais ainda de sua imediata reação. “Então não somos um país sério? Graças a Deus!”, diz, com um sorriso maroto, no saguão apertado do Hotel W, em Manhattan. Os irmãos Fernando, de 46 anos, e Humberto Campana, de 54, dois dos mais respeitados designers brasileiros, acabam de chegar a Nova York depois de uma temporada na França, onde criam os figurinos e desenham o cenário do novo espetáculo do Ballet National de Marseille, baseado no longo poema épico “Metamorfoses” de Ovídio, com estréia mundial em Luxemburgo (a capital européia da Cultura) em dezembro, e paradas em São Paulo, Rio e Brasília em 2009, durante o Ano da França no Brasil. Antes disso os dois vão se encontrar com o público nova-iorquino na exposição “Manufacturing Emotions”, um olhar bem brasileiro sobre o acervo do Cooper-Hewitt National Design Museum, a única instituição americana dedicada exclusivamente a obras de design históricas e contemporâneas.
Enquanto dribla o barulho ensurdecedor que vem das caixas de som instaladas acima da mesa do bar ironicamente batizado de Oasis – com a assinatura do arquiteto e designer David Rockwell – Fernando faz questão de refletir sobre sua “boutade” de um minuto atrás. Ela não se traduz, enfatiza, como uma rendição à esculhambação geral reinante em certas esferas do país. Ao contrário. “Indiscutivelmente, nossa obra é repleta de brasilidade. É, de certa maneira, um cultivo permanente deste Brasil livre de grilhões históricos, aberto às marés da criação e sem medo de margear as emoções mais intensas”, afirma.
Se Humberto é reconhecido pela capacidade manual e de experimentação com novos materiais, Fernando, formado em arquitetura, se debruça sobre a elaboração de conceitos
Humberto, ao lado, sorri. E lembra da reação um tanto surpresa de Frédéric Flamand, o diretor do Ballet National de Marseille, quando percebeu que os Campana não pretendiam de forma alguma enviar de seu estúdio, localizado no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, desenhos e esboços do figurino a partir de um estudo inicial, a distância, sobre a obra imaginada pelo coreógrafo. “Nada disso. Nossa criação surge do caos nosso de cada dia. Fazíamos tudo na hora, ele nos mostrava a cena e desenhávamos na frente dele, no ato, muitas vezes nos corpos dos próprios bailarinos”, relata.
É claro que o processo de criação de todo um aparato cênico e do trabalho com o corpo humano em movimento – algo inédito para a dupla em 23 anos de Estúdio Campana – não foi realizado na base do improviso. Durante oito meses os dois zanzaram pelos mercados de pulga provençais, lojas de materiais de construção de Marselha e, claro, pelos camelódromos das grandes metrópoles brasileiras. “Usamos velcro, plástico, muito fio-espaguete e sacos plásticos. Que viraram vestidos de ninfa. A idéia foi trabalhar com materiais específicos que deixassem aberta a possibilidade de cada bailarino ser encarado como mais uma parte do todo cenográfico”, explica Humberto.
De certa forma, é como se os irmãos tivessem transportado para o Sul da França a rotina de trabalho do Estúdio, onde nove artistas, o time Campana, buscam diariamente a inspiração na pororoca formada pela degeneração paulistana e a fixação da cidade pelo contemporâneo, pelas novas modas. “Em Marselha, descobrimos que podemos criar para o corpo em movimento, mas foi uma evolução bem gradual. O mais bacana foi trabalhar diretamente no corpo dos bailarinos e, já que se trata das ´Metamorfoses´, algumas vezes eles próprios confeccionaram os figurinos, que, também, podem mudar em cena, dependendo da vontade deles. Queremos proporcionar o máximo de flexibilidade”, diz Fernando.
A companhia de dança de Frédéric Flamand é identificada pelo uso intenso de tecnologia visual nos espetáculos, como na cidade futurista projetada pela arquiteta iraquiana radicada no Reino Unido Zaha Hadid para o espetáculo anterior do grupo, “Metapolis”. Os Campana resolveram nadar contra a corrente e apostar na redução de vídeos, sem esquecer o desejo de se comunicar através de novos meios, concentrados agora nos elementos do figurino, todos criados com o que eles chamam de “baixa tecnologia” made in Brazil.
“Quando tínhamos de representar a Medusa, por exemplo, que é um dos mitos retratados em cena, optamos por fazer algo com material reciclado, aparentemente bem pobre, mas com um efeito para as cobras que acaba sendo surpreendente, algo não muito distante de nosso trabalho com o mobiliário”, explica Humberto.

Fonte: Valor

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