Aprendi a me respeitar
“Toda vez que uma mulher se defende, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela defende todas as mulheres” (Maya Angelou).
Viemos de uma criação patriarcal, onde as meninas deveriam sempre gentis, educadas, meigas e comportadas. Jamais deveriam contrariar as visitas, familiares, colegas e professores da escola. Sinceramente eu nunca concordei com esta cultura, mas para romper este ciclo tradicional que me acorrentou por anos, foi muito difícil.
Revisitando minha memória, não tenho qualquer lembrança da menina ‘Márcia’, se rebelando contra qualquer tipo de bullying sofrido (e que não foram poucos), tanto no ambiente escolar, familiar e profissional. Desde que me enxergo como ‘gente’, fui uma criança extremamente tímida, recatada e para ajudar, minha mãe sempre me repreendeu para ser mais comportada, ‘certinha’, para completar o quadro caótico. Não sei se tinha medo, que eu ‘errasse o caminho’, e talvez sofresse consequências. Sei que não foi por mal, mas isto só atrapalhou meu desenvolvimento pessoal, profissional e social.
Isto não se prolongou por muito tempo. Com meus dezessete anos, resolvi ingressar no mercado de trabalho, mesmo contra sua vontade, eu precisava sair daquela bolha – ‘estudos e casa’! As primeiras experiências profissionais foram difíceis, pois com minha timidez, era complicado mostrar o meu valor e minhas competências. Eu me escondia atrás da cortina de ‘menina quietinha’.
Mas aos poucos, relembrando os assédios escolares da ‘Olívia Palito’, ou dos gritos dos chefes intolerantes que tive nas primeiras experiências como bancária e secretária, fui criando um sentimento de revolta, até que não consegui mais admitir estes comportamentos.
O primeiro passo para mudar, foi optar por cursar Comunicação Social, Jornalismo e não ser mais secretária, pois naquela época era comum, suportar chefes destemperados e aguentar, afinal de contas, eu precisava ter minha autonomia.
Antes mesmo de ser jornalista, em uma grande multinacional que já não está no mercado, sobrevivi a um assédio dentro do elevador da companhia, por meu chefe, na época que não tinham câmeras de segurança, e que ‘assédio’ não era tão levado a sério.
Comentei com uma colega do departamento o episódio bem assustada, e na semana seguinte, fui dispensada sem qualquer explicação. Com certeza, a notícia correu os corredores do departamento de marketing, e sofri represália. No mesmo período, iria ser promovida a secretária do presidente da companhia, já que a sua assistente estava se aposentado. Devido a este acontecimento, perdi a oportunidade, pois era uma empresa de grande visibilidade no mercado eletrônico, nos anos 90.
Este fato se repetiu em outras circunstâncias e empresas, mas eu jamais admiti qualquer abuso e por segurança, pedia demissão. Sempre foi muito desagradável estar no posto de trabalho e passar por qualquer tipo de violência, seja moral ou sexual.
No último trabalho que ocupei antes da Revista, foi em uma empresa familiar. E notei, como era complexo agradar o núcleo, sendo ele repleto de opiniões divergentes, todos com visões heterogêneas. Eu atendia alguns e desagradava outros. Estava preparada para o cargo e mesmo assim, sempre alguém tentava me tirar das atividades exercidas, me podar, sem que eu pudesse fazer nada. A cada período mudavam minhas funções, me davam férias inesperadas, já que eu ocupava o mesmo cargo, de um dos familiares.
Sentia pela sua postura, que ele sentia ameaçado e sempre rejeitava até minha ajuda.
Suportei por algum tempo, até que cheguei no meu limite, atingindo minha saúde mental, e pedi meu desligamento, aliviada!
Nós mulheres vivemos cercadas de preconceitos, olhares de lado, desconfiança e até medo, pois muitos profissionais homens, temem perder seu cargo para uma mulher. E este ciclo se repete, tornando uma roda gigante.
Hoje me encontro do outro lado do balcão, e não me sinto tão propensa a viver estas situações. Dizer que não acontecem, não é verdade, mas como ‘dona do negócio’, passo uma imagem de respeito. E sempre destaco: respeito gera respeito. Procuro tratar todos da mesma forma, de porteiro à CEO de uma companhia. Educação cabe em todos os lugares, independente do cargo, classe social, orientação sexual, cor da pele ou religião.
Acredito sim, em um mundo mais humano, gentil e amoroso, e neste caso ele precisa começar com meu exemplo e atitude. A vida me ensinou muito sobre isto. Aquela menina medrosa, tímida e acanhada, não existe mais. Tudo que sobrevivi, me tornou uma mulher forte, porque para chegar até aqui, tive que quebrar barreiras e muitos paradigmas. Não porque eu quis, mas porque a vida me obrigou em todos sentidos. Era lutar contra o sistema e sobreviver, ou então desistir. Não nasci para olhar pelo retrovisor.
E após quarenta anos de atividades, sigo olhando para frente.