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Apesar da PEC do gasto, mercado reduz projeções para resultado fiscal até 2020

Principal aposta do governo para melhora nos resultados fiscais de longo prazo do Brasil, a aprovação da PEC do teto de gasto no Congresso Nacional foi insuficiente para conter a trajetória de piora nas expectativas de mercado para o resultado primário nos próximos anos.

Dados da pesquisa Focus mostram uma queda da ordem de 0,5% do PIB ao ano nas projeções para o desempenho fiscal antes do pagamento de juros de 2018 a 2020 desde que a tramitação da PEC foi concluída. Apenas a estimativa de déficit primário para 2017 ficou estável, mas o resultado esperado para este ano pela média do mercado ainda é bastante negativo: – 2,2% do PIB

O movimento de piora nas estimativas de prazo mais longas para o primário já vinha ocorrendo ao longo do segundo semestre, mas continuou mesmo após aprovação da PEC. Dessa forma, a mediana das projeções para o resultado primário em 2020 saiu de superávit de 0,3% do PIB no início de dezembro para déficit de 0,25% do PIB. Em agosto, essa projeção chegou a ser de saldo positivo de 1% do PIB.

O resultado primário é uma das variáveis mais importantes para o Banco Central definir até onde poderá cortar os juros e também para a percepção de risco de solvência da economia brasileira, já que interfere diretamente na trajetória da dívida pública.

Para o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o movimento reflete, na verdade, a piora no cenário de recuperação econômica ocorrido nos últimos meses. Com isso, a expectativa de arrecadação ao longo do tempo acaba tendo que ser revista para baixo, piorando o cenário de resultados primários. “O que vem acontecendo é que caiu a ficha. Todo mundo está revendo as projeções de PIB para baixo e o resultado primário previsto cai por conta da arrecadação”, afirmou.

Segundo ele, mesmo com cenário um pouco melhor de crescimento para a economia a partir de 2018, a revisão para baixo do PIB no curto prazo afeta todo o horizonte de receita. Inclusive porque alguns tributos não devem se recuperar tão rapidamente, mesmo com a retomada da atividade, já que isso depende da distribuição setorial do crescimento e de fatores como o uso de créditos fiscais para o pagamento de tributos, que deve ocorrer nos próximos anos (mesmo com o programa novo de renegociação de dívidas tributárias).

O economista-chefe da Beta Capital Consultoria, Alexandre Antunes Teixeira, tem avaliação semelhante. Para ele, a onda de revisões para baixa nas projeções de PIB de 2017 e, em menor escala, de 2018 induz a um cenário de menor receitas, especialmente porque a volta do crescimento deve ser liderada pelas exportações e pelo setor agrícola, que têm base de arrecadação menor.

Teixeira não enxerga no movimento de piora das projeções uma desconfiança com a eficácia da PEC do teto, embora lembre que ela precisa ser complementada por outras reformas, como a da Previdência. Nesse sentido, ele comenta que o mercado tem se mostrado otimista com a possibilidade de aprovação das reformas, ainda que em caráter parcial.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (órgão ligado ao Senado), Felipe Salto, também avalia que o movimento não pode ser associado a uma desconfiança com a PEC, a despeito da necessidade de ela ser complementada por reformas. “O movimento tem realmente mais a ver com a piora no cenário de crescimento, uma percepção mais pessimista sobre a atividade”, diz o economista, ponderando ainda que a coleta de dados fiscais na pesquisa Focus do BC deve ser vista com mais cuidado nos horizontes mais longos de projeção.

Uma fonte especializada em contas públicas e bem posicionada nos rankings de acertos de projeções também faz essa ponderação metodológica, por conta da velocidade de atualização um pouco diferente entre os agentes, mas também enxerga que, do ponto de vista qualitativo, o movimento do mercado observado indica uma percepção de que o governo tem pouca margem para acelerar ajustes no lado das receitas.

A fonte explica que, dado o nível elevado da carga tributária brasileira, o espaço para elevação de tributos é restrito e isso afeta o cenário de longo prazo. “Há uma leitura mais realista do mercado sobre as restrições do governo para acelerar o ajuste fiscal”, diz. “Na nossa visão, a consolidação fiscal será feita mais lentamente. O ajuste é muito gradual”, completa a fonte, que está até mais pessimista que a média do mercado com a trajetória do resultado primário nos próximos anos e vê o retorno para a neutralidade apenas em 2021.

Para Vilma Pinto, especialista em contas públicas e pesquisadora do Ibre-FGV, há uma reacomodação geral das expectativas, com um cenário mais incerto na percepção dos agentes. Seu colega de Ibre e também especialista em contas públicas José Roberto Afonso lembra que a PEC do gasto demanda outras reformas para se viabilizar. “Sem reformas, não se entregará o que se prometeu com a PEC. Quanto mais se deteriora a situação estrutural da economia, talvez até mesmo a reforma previdenciária pode ser insuficiente.”

Fonte: Valor

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