Ágio surpreendente em leilão de 3G deve encarecer serviços
Mas os ágios revelados no primeiro dia do leilão de licenças para a terceira geração (3G) superaram as projeções mais otimistas – o que não deixa de ecoar o investimento multibilionário feito pelas operadoras européias há alguns anos.
Absorvida a experiência desastrosa de outros países, o caso brasileiro parecia bastante simples: em cada área leiloada pela Anatel, são quatro lotes de freqüência oferecidos para quatro grandes operadoras. Portanto, teoricamente cada uma delas poderia sair satisfeita sem precisar derramar sangue na disputa.
A prática, ontem, revelou-se bem diferente – por uma série de razões comerciais e sutilezas técnicas. Na primeira das dez áreas que serão licitadas pela agência reguladora, o resultado foi um ágio de 160,45% sobre o preço mínimo dos quatro lotes vendidos, com arrecadação de R$ 1,9 bilhão.
O principal motivo para isso foi a atuação da Nextel, operadora de comunicação direta via rádio. A empresa não levou nada, mas deu canseira nas grandes teles. Oi, Vivo, TIM e Claro – especialmente as duas últimas – tiveram de assinar cheques elevadíssimos para garantir atuação no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, na Bahia e em Sergipe, Estados que constituem a primeira das dez áreas oferecidas.
Embora não tenha atraído o interesse de teles que ainda não atuam no Brasil, o leilão acabou gerando uma disputa maior do que se esperava entre as companhias que já estão aqui. A Nextel, que atua exclusivamente no mercado empresarial e tem 1,2 milhão de clientes nas principais cidades de sete Estados mais o Distrito Federal, mostrou que tem ambições maiores no país.
Também contribuíram para os ágios surpreendentes questões específicas de cada operadora. O primeiro lote oferecido foi arrematado pela Vivo com ágio de 90%. O valor foi gasto na compra da subfaixa J da Área I e para a empresa fazia todo o sentido fazer um desembolso desse porte. A faixa J é contígua à freqüência na qual a operadora já atua, o que lhe proporcionará um uso mais eficiente do espectro.
Da mesma forma, a Oi foi à luta para levar o lote F, que é o maior dentre os quatro oferecidos, na Área I – que é a mais importante para a operadora. Em todas as áreas, a faixa F é a única mais ampla, com largura de 15 megahertz (MHz). G, I e J têm cada uma 10 MHz. Portanto, a empresa procurou assegurar mais espectro numa região crucial para ela. “Fomos com mais apetite para privilegiar o Rio, nosso principal mercado”, afirmou ao Valor o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco. Restou à TIM e a Claro pagar mais para não ficar de fora.
Questões técnicas como essas continuarão sendo vistas hoje, dependendo da estratégia das operadoras em cada área. E a expectativa dos executivos das operadoras é a de que a Nextel continue jogando os preços para cima. Procurada, a empresa não quis se manifestar sobre o assunto.
“A Nextel levou a gente a fazer o favor de elevar a arrecadação do governo brasileiro. É claro que as operadoras vão reagir em defesa dos investimentos que fizeram anteriormente nas áreas em que já atuam”, disse Falco.
Ao longo deste ano, os técnicos da Anatel defenderam a idéia de um leilão de licenças que tivesse em vista a universalização da telefonia móvel, e não fins arrecadatórios. Com esse objetivo, desenhou uma metodologia que obriga as operadoras a levar cobertura de celular a todos os municípios brasileiros em dois anos. Em troca, reduziu os preços mínimos das outorgas, que ficaram em R$ 2,8 bilhões para as dez áreas em que o país foi dividido.
Mesmo assim, as operadoras reclamaram por considerar os valores altos demais. O resultado preliminar de ontem mostrou, contudo, que elas têm fôlego para ir muito além.
A questão é saber se o gasto na compra das licenças retardará o investimento das operadoras na construção das redes, como aconteceu na Europa. Nas licitações que ocorreram por lá, entre 1995 e 2001, as teles gastaram nada menos que US$ 125 bilhões para ter o direito de explorar a 3G. Veio o estouro da bolha da internet, elas tiveram prejuízos gigantescos e levaram anos para conseguir lançar os serviços baseados na nova tecnologia. Até agora, as operadoras européias não recuperaram o que investiram.
O momento agora é outro. Os ágios brasileiros, embora vultosos, não devem superar os europeus. A tecnologia está mais madura e o preço dos equipamentos de rede e dos aparelhos caiu vertiginosamente desde então. Além disso, a competição faz com que as operadoras tenham pressa.
De qualquer forma, alguém pagará a conta. O consumidor, seguramente. A arrecadação volumosa reforçará os cofres do governo recém-derrotado na votação da CPMF, mas terá seu preço para os usuários de telefonia.
Fonte: Valor