Ação de bancos centrais ajuda bolsas, mas crédito segue escasso
Uma onda de ações de governos reanimou os mercados ontem, mas pouco fez para aliviar um problema mais profundo: a escassez de dinheiro nos mercados de crédito.
Num esforço coordenado extraordinário, o Federal Reserve, o Banco Central Europeu e outros grandes bancos centrais forneceram aos bancos comerciais cerca de US$ 180 bilhões em empréstimos de curto prazo. Mas os bancos recusaram-se a emprestar fundos uns para os outros, ou mesmo para clientes e investidores que precisavam. Em vez disso, preferiram guardar os recursos devido à incerteza sobre os efeitos nefastos que o tumulto desta semana ainda podem causar a eles mesmos e seus parceiros. Para piorar as coisas, outra importante fonte de dinheiro para os bancos e empresas começou a secar, à medida que investidores assustados retiraram seus investimentos de fundos do mercado monetário, que estão entre os investimentos mais conservadores. Nada menos que US$ 78,7 bilhões foram sacados desse tipo de fundos quarta-feira, um recorde, segundo a Crane Data LLC. Os fundos bombeiam dinheiro para os mercados de crédito comprando títulos de dívida emitidos por bancos e empresas. A Putnam Prime Money Market Fund informou que fechou quarta-feira e iria distribuir seus recursos entre os clientes devido à “problemas de liquidez em todo o mercado”. O fundo americano, de US$ 12,3 bilhões, disponível apenas para grandes clientes com investimento mínimo de US$ 10 milhões, informou que não detia dívida emitida pela Lehman Brothers Holdings Inc., American International Group Inc. ou pelo Washington Mutual Inc. “Acho que é provavelmente o pior que já vi”, disse Robert Bishop, administrador de carteira da SCM Advisors, em San Francisco, ao se referir ao êxodo em massa dos fundos de mercado monetário.
No conjunto, os episódios de ontem destacam um problema que tem driblado os bancos centrais desde o começo do aperto de crédito e que se tornou muito mais agudo nos últimos dias: o dinheiro não está chegando aonde precisa para manter os mercados operando e alimentar a economia. O aperto – ou falta de liquidez – está abalando os alicerces de todo o sistema financeiro, onde empréstimos são como sangue para os bancos e firmas de investimentos.
Numa nota para clientes, Laurence Mutking, estrategista de política monetária para o Morgan Stanley, disse que a atitude coordenada dos bancos centrais “teve pouco ou nenhum impacto na falta de liquidez que assola os mercados de crédito”. Mutkin acrescentou que ficou evidente que as autoridades mais uma vez não conseguiram reconquistar o controle sobre os mercados de financiamento.
Em épocas normais, os bancos emprestam cerca de US$ 1 trilhão uns aos outros a curto prazo – recursos que usam para cobrir buracos inesperados na sincronia entre os de pagamentos que precisam fazer e o dinheiro que entra. Mas esse enxurrada virou uma gota, o que significa que mesmo os US$ 180 bilhões injetados no sistema financeiro ontem ainda deixam um buraco considerável.
Juros de curto prazo têm se mantido elevadas à medida que bancos e investidores de todos os tipos se recusam a ceder empréstimos ou cobram taxas onerosas. A taxa do interbancário de Londres, ou Libor, uma referência que supostamente reflete os juros de curto prazo cobrados pelos bancos para fornecer empréstimos uns aos outros, caiu para 3,843% em relação aos 5,031% registrados na quarta-feira para empréstimos em dólar, diante da injeção de recursos dos bancos centrais. Mas a Libor de três meses subiu de 3,062% para 3,203%. As duas taxas também continuam bem acima dos níveis registrados na semana passada. Após os atentados do 11 de setembro de 2001, a taxa de curto prazo estava em 2,138% e a de três meses, em 2,818%.
O êxodo de fundos do mercado monetário está consumindo uma boa parte do mercado de “commercial paper”, uma fonte vital de financiamento para empresas. O total de “commercial papers” no mercado nos EUA caiu US$ 52 bilhões, para US$ 1,7 trilhão, na semana que terminou dia 17 de setembro, a maior queda semanal este ano. Se os investidores se recusarem a adquirir esses papéis dos bancos, os bancos terão de achar um jeito de garantir recursos para pagar dívidas que vencem nos próximos meses. Uma dúzia de grandes bancos europeus, por exemplo, terá de pagar cerca de US$ 200 bilhões em “commercial papaers” durante o ano que vem. A maior parte dessas dívidas tem maturidade de apenas 60 dias, o que significa que a maior parte do ônus surgirá logo, segundo uma pessoa familiarizada com o mercado europeu de “commercial papers”.
Além disso, fundos especializados como os veículos de investimento estruturado, criados por bancos para obter fundos, têm sido fechados.
Os bancos estão recorrendo aos bancos centrais como sua principal fonte de dinheiro. “As injeções de liquidez por parte dos bancos centrais têm sido quese integralmente absorvidas pelos próprios bancos para substituir fontes perdidas de financiamento”, diz Scott Peng, um analista do Citigroup Inc.
Os bancos também estão enfrentando demandas por dinheiro em outras áreas. Apostas complexas em derivativos estão criando grandes passivos. Os problemas pioraram nos últimos dias quando o colapso do Lehman e a crise na AIG provocaram uma alta acentuada no custo do seguro contra moratória de empresas. Quando aumenta o custo do seguro, os vendedores de seguros – como bancos e grandes seguradoras como a AIG – se vêem obrigados a reservar mais recursos ainda para garantir que poderão cumprir suas obrigações.
Ontem, o custo de seguros contra moratória de empresas estava em US$ 175.000 para cada US$ 10 milhões em títulos de dívida corporativa, sendo que na semana passada custava US$ 146.000, segundo o índice Markit CDX. Nos últimos dias, o custo chegou a US$ 200.000. Uma oscilação desse porte num período tão curto provavelmente levou a bilhões de dólares em chamadas de dinheiro entre corretores e outras firmas.
Fonte: Valor