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A polêmica sobre a prorrogação da CPMF

Nestes dias será votada a prorrogação da CPMF. Uma olhada superficial nos meios de comunicação mostra que essa renovação vem sendo objeto de uma intensa campanha contrária, à qual também se acrescentam correntes na internet, mostrando a indignação do cidadão comum e não apenas a dos especialistas que têm acesso às colunas dos jornais. Pareceria que brecar a renovação do imposto seria “a virada na luta contra o peso excessivo do Estado”, “contra a sufocante carga tributária” e outras afirmações nesse sentido.
Existem razões teóricas para criticar a CPMF, como por exemplo sua característica de imposto em cascata (dado que se aplica a qualquer transação, o imposto seria distorcivo), além de que poderia levar a uma “desfinanceirização” (as pessoas fariam transações à vista para não pagar o imposto) etc. Todavia, entendemos que a oposição à CPMF não decorre desses motivos técnicos mais ou menos obscuros, explicando-se muito mais pelos seus méritos do que por seus defeitos.
Vejamos quanto representa a CPMF no bolso de um cidadão de classe média. Para alguém que ganha R$ 4 mil líquidos, a CPMF representa pouco mais de R$ 15,00 mensais. Se a família dessa mesma pessoa comprar uma garrafa de refrigerante PET de dois litros (ou duas latinhas) por dia, estará pagando praticamente a mesma quantia de ICMS nessa bebida cada mês. Mas por que não recebemos correntes indignadas de nossos amigos, ou porque não lemos na imprensa propostas como “Acabemos com o ICMS dos refrigerantes”, “Liberdade para nossas refeições” ou “Cansei de ser taxado à mesa”? Esse mesmo raciocínio poderia se aplicar a outros casos: por que não exigir reduções em outras alíquotas do ICMS ou do IPI? Porque não defender uma elevação nos descontos do IR, ou uma redução nas contribuições à Previdência?
Para explicar essa indignação, talvez uma boa dica seja ver como funciona a CPMF. Uma característica básica dela é sua universalidade: qualquer usuário do sistema bancário é taxado na mesma proporção, seja empresário, artista, professor, favelado ou camelô. Dado que a alíquota é a mesma para qualquer cidadão, talvez o normal seria que os pobres se rebelassem, pedindo isenções, ou questionando por que eles têm que pagar a mesma percentagem que os ricos quando retiram seu salário do banco. Mas o que temos visto é exatamente o oposto: a classe média e os empresários são os que mais fortemente têm reclamado do imposto.
Minha interpretação é que exatamente essa universalidade é o motivo da chiadeira contra a CPMF: ninguém pode fugir dela! Não tem jeitinho, nem nota fria, nem fiscal amigo, nem contador esperto que consiga impedir que as pessoas tenham que pagá-la. Não existe uma tarifa bancária com CPMF e outra sem ela, ao contrário de, por exemplo, a opção que oferecem o médico ou o mecânico de cobrarem um preço pelos seus serviços com nota fiscal ou recibo, e outro sem.
Fazendo uma simplificação, podemos dividir os cidadãos brasileiros em dois grandes grupos: os trouxas que pagam todos seus impostos, e os espertos que dão um jeito através da evasão e da elisão impositivas. No primeiro grupo tipicamente estão os assalariados, dos setores privado e público, que não têm como fugir das retenções de seus salários, dos impostos pagos na compra do supermercado etc. No segundo está uma parcela daqueles que podem optar por recolher seus impostos ou não (empresários, autônomos, firmas) e que escolhem o segundo caminho, algo que não está ao alcance do assalariado- claro que há muitíssimos empresários, profissionais etc, que pagam todos seus impostos regularmente, mas não são todos. A CPMF tem esse inegável mérito de atingir por igual espertos e trouxas. Por isso entendemos que especialmente os assalariados de classe média, ao pedirem o fim da CPMF, estão embarcando numa luta cujos maiores beneficiados certamente não seriam eles.
Pode-se afirmar, por outro lado, que a sociedade tem demandado que o setor público mantenha seus programas sociais bem-sucedidos, forneça serviços de educação e saúde de melhor qualidade e retome seus investimentos em infra-estrutura. Para conseguir recursos para isso, o governo precisaria ora aumentar sua arrecadação, ora reduzir suas outras despesas. Claro que a qualidade dos gastos públicos pode ser muito melhorada, mas essa mudança necessariamente será lenta, e por isso a população teme que a saída seja um aumento na carga impositiva, e vibra instintivamente ante a possibilidade de eliminar algum imposto. Todavia, um olhar atento às informações de arrecadação mostra que a receita do governo tem aumentado mês a mês. Esse crescimento, maior que o da economia como um todo, não decorre, porém, do aumento da carga tributária (dado que ela não muda todos os meses), mas do aumento da eficiência na arrecadação. Isso mostra que há espaço para viabilizar as exigências da sociedade quanto ao papel do Estado sem alterar o volume dos impostos que se deveria pagar (cujo total sem dúvida é muito alto), mas mexendo no quanto efetivamente se paga, muito abaixo do que se deveria. Dado que a evasão e a elisão fiscais estão muito mais ao alcance dos mais ricos do que dos pobres, que não têm muitos meios de fugir dos seus impostos, aumentos na eficiência na arrecadação certamente atingem proporcionalmente mais os setores de maiores recursos. Por isso, acreditamos que a luta daqueles que se mostram preocupados com a carga tributária deveria se concentrar em apoiar medidas que aumentem a eficiência da arrecadação. Isto representaria maior justiça social e permitiria discutir em bases mais realistas qualquer redução da carga tributária.
Recentemente faleceu a empresária Leona Helmsley, dona de um império imobiliário que incluía entre outras coisas o Empire States. Atribui-se a ela a frase “Só a plebe paga impostos”, frase mais chocante porque dita num país no qual a eficiência da arrecadação e o castigo pela evasão são bem maiores do que no Brasil. Mas a CPMF seria o tipo de imposto do qual nem ela poderia ter fugido! Se estivesse viva e no Brasil, a Sra Helmsley certamente seria uma forte candidata a entrar na corrente contrária à sua renovação.

Fonte: Valor

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