A obrigação de estar bem
Nunca me considerei uma pessoa emocionalmente inteligente. Muito pelo contrário! Sempre olhei para as pessoas controladas, lineares, calmas e monotônicas como as com mais inteligência emocional.
Para escrever este artigo, para mulheres que admiro muito, precisei pensar bastante. Afinal, olho para elas como exemplos e o que eu poderia ter a oferecer diante de tanta experiência de vida? Em um momento de reflexão profunda, lembrei de alguns momentos desafiadores da minha história e também de uma promessa que fiz a mim mesma durante o meu tratamento contra um câncer de mama: eu iria viver as minhas emoções com a maior sinceridade possível, no melhor estilo “zero inteligência emocional”, como eu achava.
Ao receber o diagnóstico, minha mente desencadeou uma série de pensamentos, comportamentos e mecanismos de defesa para dar conta da situação. Não foi fácil, entrei em estado de choque e, depois de permitir que a bagunça dentro de mim se organizasse, decidi que não queria ter a obrigação de estar bem, assumindo comigo o compromisso de que viveria a verdade do que sentia.
Era um momento de incertezas e queria apenas tentar viver um dia de cada vez. Parece bastante óbvio, não? Porém, saber se a cirurgia seria muito ou pouco agressiva, se precisaria de fato fazer quimioterapia ou radioterapia, como ficaria meu corpo pós-cirurgia, se haveria rejeição, se eu passaria mal ou se até mesmo o tratamento daria certo… tudo isso gerou uma ansiedade gigante. E dor. Muita dor. Talvez mais mental do que física. Era demais para dar conta, por isso criei minhas doses diárias.
Mal sabia eu que, ao adotar essa estratégia, estava desenhando para mim um plano de regulação e gerenciamento emocional (olha aí a inteligência que eu tinha certeza de que não existia em mim). Peguei um calendário e transformei em palpável o que era intangível: desenhei estrelas para os dias bons, nuvens para os dias mais ou menos e nuvens de chuva para os dias ruins. Eu tinha resultados ao final de cada semana e de cada mês. Esses desenhos eram a minha certeza. A minha proposta com a verdade do que eu sentia foi o que me trouxe “certeza” naquele momento.
Lidar com sentimentos exige uma estratégia de regulação. Em alguns momentos, a supressão pode ser necessária, mas ela é extremamente danosa se não se abre espaço para as emoções. Diversos estudos mostram que a supressão emocional pode diminuir as expressões externas da emoção, mas não a experiência emocional interna. Isso quer dizer que a emoção que você manda para o armário hoje vira o esqueleto de amanhã, e de depois, e depois…
Como fazer então?
A proposta de não esconder (ou tentar me esconder) dos sentimentos ruins que afloravam em certos dias foi me fazendo enxergar a naturalidade de cada um: da raiva, da tristeza, da ansiedade etc. Eu realmente queria conhecer quais eram os meus comportamentos diante do que sentia e isso foi criando familiaridade.
Que temos um certo medo e resistência do desconhecido (ou do estranho), todo mundo sabe, mas quando tentamos trazer aquilo para a nossa vizinhança, vai ficando mais fácil de lidar. Nos dias de sentimentos fortes, mandava mensagens e falava exaustivamente com meus amigos sobre o que estava sentindo. Isso ajudava tanto! Era meu círculo seguro e de confiança me dando espaço para reconhecer os sentimentos.
Ter tirado das costas a obrigação de estar bem todos os dias (não só durante o tratamento) fez eu enxergar a pressão sobre-humana que constantemente é colocada como requisito de uma boa e exemplar vida social. Percebi que ceder a esse apelo pode trazer um efeito catastrófico e perigoso.
Hoje, noto que quanto maior a percepção e a franqueza com que encaro meus sentimentos, mais sucesso e facilidade tenho em lidar com frustrações, além de conseguir desenhar mais rapidamente um plano de ação ou uma solução para sobrepor aquele desafio.
Quebre suas fases difíceis em doses menores. Torne-as tangíveis, se precisar. E tudo bem se alguns dias forem ruins. Depois, fica mais fácil.
Para dar conta do seu mundo, você não tem a obrigação de estar bem todos os dias.