E investe contra os incentivos para pequenas empresas se tornarem exportadoras regulares e
O relatório recém-divulgado pela União Europeia (UE) acusando o Brasil de práticas protecionistas e outro, do Departamento de Agricultura dos EUA, falando do avanço brasileiro no comércio mundial de carne são peças do mesmo quebra-cabeça que combina a crise das economias avançadas com o pique relativamente saudável do mundo emergente.
O Brasil é fonte de incômodo pela ponta das commodities, em que é um dos carros-chefe do comércio global de alimentos e minérios, e pela pressão das empresas nacionais, mas também pelas filiais das multinacionais com fábricas no país, contra a competição externa.
Os importados crescem, e deslocam a produção nacional, em cima do real apreciado. E se aproveitam de tudo o que tira competitividade do produto brasileiro, como juros e impostos elevados, burocracia excessiva, infraestrutura medíocre e muito mais. A competição com os estrangeiros é desigual, ainda mais com o dólar a R$ 1,70.
O alerta europeu centra fogo, sobretudo, contra ações do governo brasileiro de incentivo à produção nacional nas compras conduzidas por órgãos públicos, chamadas de Buy Brazilian em alusão ao Buy American reintroduzido pelo Congresso dos EUA em 2009 com o mesmo fim, e a política de apoio à exportação idealizada pelo BNDES.
O relatório da União Europeia critica propostas ainda nem implantadas, como a do Exim-Brasil, uma subsidiária do BNDES para financiar o importador de bens brasileiros, e a seguradora para o comércio exterior. E investe contra os incentivos para pequenas empresas se tornarem exportadoras regulares e a isenção de impostos para insumos importados usados na produção destinada à exportação.
Tais ações, segundo os europeus, afrontam o livre comércio, o que é contraditório, já que todos os países europeus adotam políticas semelhantes. Desde o fim da Segunda Guerra, por exemplo, a Alemanha e a França têm banco estatal e seguradora para alavancar a exportação.
Também os têm EUA, Japão, Coreia do Sul e China, que faz mais: esfola sua mão de obra para abater o custo de produção e reprime o consumo, gerando a poupança que sustenta as reservas de US$ 2,6 trilhões – o alicerce do câmbio desvalorizado em relação ao dólar.
Brasil é a freirinha
Desde 2007, mais por razões internas que pela pressão ocidental, a China incentiva o mercado interno, mas reluta ainda em valorizar o iuan renminbi. Perto do que a China faz o Brasil é uma freirinha.
Do que então se queixam os europeus? De imediato, de maior espaço para a entrada de seus produtos no Brasil. A médio prazo, porém, o recado é dirigido às próprias empresas europeias. Elas começam a considerar o Brasil como plataforma de produção para o atendimento da demanda brasileira e regiões próximas e o desenvolvimento de centros de tecnologia. Não virão sem moeda competitiva em relação ao dólar e ao euro e política industrial do governo para custear, ou subsidiar – como queiram – parte de seus investimentos no Brasil.
Vírus dos emergentes
Os governos da Zona do Euro – moeda que sofre o ataque do dólar e é incapaz de enfrentá-lo pela rigidez do acordo de união monetária – se esforçam para alavancar e proteger das importações a produção local, preocupados com o emprego. A agricultura europeia já possui proteção sem paralelo no mundo. A indústria reclama algo parecido.
Políticas industriais no mundo emergente agem como vírus sobre os defasados e ineficientes setores industriais da Europa (mas também dos EUA), com exceção, em regra, da Alemanha. É o que põe o BNDES, propulsor da política de expansão empresarial, na mira dos países ricos. A repulsa europeia inclui a estratégia promovida pelo BNDES de consolidação de grandes grupos para atuação internacional.
Por que o BNDES incomoda
É disso que trata um informe do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) sobre a produção e o comércio de carnes no mundo. Não há crítica, ao contrário do documento da UE, só a constatação de que, embora represente 10% da produção mundial, em 2011 o Brasil poderá deter 26% do comércio mundial de carne bovina, suína e de frango.
Tal participação implica, segundo análise da Link Investimentos, ganho de mercado de 2,3% para o Brasil e perda de 0,8% dos demais. “Enquanto muitos produtores enfrentam dificuldades, o Brasil vem se consolidando com um dos principais fornecedores de carnes para o mundo”, reflete a Link. O processo é puxado por JBS, Marfrig e Brasil Foods, gigantes impelidos pelo BNDES para desassossego dos rivais estrangeiros. E no Brasil há quem condene o BNDES pelo que faz: fortalecer a produção nacional. Os “de fora” devem agradecer.
O silêncio dos omissos
Resultados como os reconhecidos pelo USDA deveriam ser divulgados no Brasil pelas próprias empresas que estão ocupando o mercado que foi só de EUA e Austrália, por exemplo. Nada. Assistiram caladas à pancadaria contra o BNDES por apoiá-las, ignorando dados positivos que só agora se tornam conhecidos graças ao governo dos EUA.
Conforme o mapa do USDA citado pela Link, a fatia do Brasil nas exportações mundiais de carne de frango deverá chegar a 38,5% em 2011 – 4,8 pontos percentuais acima da dos EUA, o segundo maior exportador. A diferença era de 1,5 ponto em 2009. Na carne bovina, o naco deverá ser de 24,4% em 2011, e a distância sobre o segundo colocado, a Austrália, chegará a 6,5 pontos, contra 3,2 pontos em 2009. Sem política industrial, dificilmente haveria tal resultado
Fonte: Jornal do Commercio