Em busca de apoio, Obama diz que reforma de saúde não faz parte de “jogo político”
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, usou uma entrevista coletiva em horário nobre na TV americana nesta quarta-feira para tentar impulsionar a reforma do setor de saúde do país, que sofre resistência no Congresso e divide a opinião pública. Ele retratou os adversários do plano como politicamente motivados e buscou apelar para os problemas que o americano comum enfrenta diante dos custos crescentes com saúde e com a falta de uma alternativa governamental de assistência, dizendo que pretende ainda este ano ver aprovada a reforma.
Larry Downing/Reuters
Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante entrevista coletiva em que defendeu reforma do sistema de saúde do país
No momento em que sua popularidade dá sinais de desgaste, Obama inscreveu a reforma de saúde no contexto da recuperação dos EUA em meio à crise econômica, dizendo que ela é uma parte fundamental do esforço de reconstruir a economia americana de uma maneira mais forte do que era antes.
“Deixem-me falar claramente: se nós não controlamos as despesas, não vamos ser capazes de controlar o nosso déficit. Se não fizermos reforma da saúde, seus custos de mensalidade e coparticipação [pagamento por consulta] continuarão a explodir. Se não agirmos, 14 mil americanos vão continuar a perder os seus seguros de saúde todos os dias. Estas são as consequências da inação. Estes são os desafios do debate que estamos travando”, disse o presidente.
Como os EUA não possuem um sistema universal de saúde pública, os americanos dependem de planos privados e de dois programas governamentais voltados para pessoas carentes com mais e 65 anos (Medicare) e pessoas pobres com necessidades específicas (Medicaid), mas esses programas dependem muitas vezes de algum pagamento e possuem critérios estritos de elegibilidade, o que deixa mais de 40 milhões de pessoas sem cobertura.
“Isso não tem a ver apenas com os 47 milhões de americanos que não têm seguro de saúde. A reforma tem a ver com cada americano que já temeu perder a cobertura se ficar muito doente, ou perder o emprego, ou mudar de trabalho. Tem a ver com cada pequena empresa que tenha sido forçada a demitir funcionários ou reduzir a cobertura deles, porque ela se tornou muito cara. E tem a ver como o fato de que a maior força motriz do nosso estratosférico déficit federal é o custo do Medicare e do Medicaid”, disse o presidente.
“Eu entendo que, com todas as acusações e críticas sendo lançadas em Washington, muitos americanos podem estar se perguntando: “Como é que eu fico? Como é que a minha família pode se beneficiar da reforma do seguro de saúde?”, disse Obama, afirmando que, embora o Congresso ainda esteja trabalhando em algumas questões fundamentais, já há acordo sobre alguns temas da reforma do setor de saúde.
“Se você já tem seguro de saúde, a reforma que estamos propondo irá lhe proporcionar mais segurança e mais estabilidade”, disse Obama, que abordou também uma questão central das críticas ao programa: o direito de escolha do cidadão. “Ela [a reforma] vai manter o governo de fora das decisões sobre planos de saúde, dando-lhe a opção de manter o seu seguro se você estiver satisfeito com ele. Ela vai impedir as companhias de seguros de tirar sua cobertura se você ficar muito doente. Ela lhe dará a segurança de saber que, se você perder o seu emprego, mudar-se, trocar de emprego, você ainda será capaz de ter uma cobertura.”
O presidente também afirmou que, entre os pontos já acertados, está um limite ao valor que as empresa de seguros pode cobrar por despesas médicas e a cobertura de cuidados preventivos, como check-ups e mamografias, além da proibição para que as empresas neguem cobertura devido a uma doença preexistente.
Larry Downing/Reuters
Presidente Barack Obama diz que reforma do sistema de saúde não engordará o déficit nos próximos dez anos
Depois de listar os pontos que seriam consensuais, Obama mirou nos seus críticos, retomando as imagens usadas na campanha, quando descrevia Washington como uma cidade apegada a velhas formas de fazer política e concentrada no jogo de poder e dos interesses particulares, enquanto apresentava a si mesmo como representante de uma política focada nas preocupações reais dos cidadãos.
“Eu entendo como é fácil para esta cidade se consumir no jogo da política, transformar todas as questões em um registro de quem está ganhando e quem está perdendo. Eu ouvi dizer que um estrategista republicano disse ao seu partido que, embora eles possam querer entrar em acordo, é melhor política ir para o massacre. Outro senador republicano disse que a reforma da saúde tem a ver com me derrotar”, disse o presidente.
“Então me deixem ser claro: isto não tem a ver comigo. Tenho um ótimo seguro de saúde, assim como todos os membros do Congresso […]. Tem a ver com a mulher no Colorado, que pagou US$ 700 por mês para a sua companhia de seguros apenas para descobrir que eles não pagariam um centavo por seu tratamento de câncer –que teve de utilizar seus fundos de aposentadoria para salvar sua própria vida”, disse Obama. “Isto tem a ver com cada família, cada empresa e cada contribuinte que continuam a suportar o encargo de um problema que Washington não conseguiu resolver por décadas.”
“Este debate não é um jogo para esses americanos, e eles não podem esperar mais tempo pela reforma. Eles estão contando conosco para que isso seja feito. Eles estão olhando para nós em busca de liderança. E não podemos decepcioná-los”, afirmou o presidente ao fim de sua apresentação inicial. “Vamos aprovar uma reforma que reduza custos, promova a escolha, e ofereça a cobertura com que todo americano possa contar. E vamos fazê-lo este ano”, afirmou.
Déficit
Questionado sobre o impacto que a reforma de saúde –que segundo estimativas pode custar US$ 1 trilhão em dez anos– pode ter sobre o crescente déficit público americano, Obama tentou colocar a proposta no conjunto das iniciativas para reativar a economia americana, ao lado do pacote bilionário de resgate de empresas.
O presidente disse que as condições econômicas dos EUA “estariam ainda piores” se o governo não tivesse feito um plano de resgate do sistema financeiro e que a reforma vai garantir uma economia e não um déficit maior. “A dívida e o déficit são minhas preocupações profundas”, disse Obama a afirmando que “a reforma do sistema de saúde não engordará o déficit nos próximos dez anos”.
Larry Downing/Reuters
Barack Obama durante entrevista coletiva em que defendeu reforma do sistema de saúde
Segundo o presidente, “dois terços do valor da reforma podem ser custeados com a redistribuição do dinheiro que simplesmente se desperdiça em programas de saúde federais”. Para Obama, caso não haja a reforma e o controle das despesas com saúde –área que mais contribui para o déficit federal–, “não seremos capazes de controlar nosso déficit”.
O presidente americano deve continuar sua campanha em defesa da reforma do sistema de saúde amanhã em uma visita à cidade de Cleveland, onde visitará um centro médico.
O debate parece afetar a popularidade de Obama, que superava 70% logo após sua posse, em janeiro. Uma pesquisa publicada hoje pelo jornal “USA Today” mostra que a aceitação de Obama está em 55%, enquanto a desaprovação subiu 16 pontos percentuais e já chega a 41%. O estudo destaca que apenas 44% dos americanos apoia os esforços do presidente em favor da reforma, sendo que 50% são contrários a ela.
Outras pesquisas divulgadas ao longo desta semana seguem a mesma linha e parecem dar força à oposição republicana, que, pela primeira vez desde que perdeu a Casa Branca nas eleições de novembro do ano passado, tem uma mensagem que encontra apoio popular.
No próximo ano, haverá eleições para o Congresso, e a batalha pela opinião pública, da qual fazem parte a entrevista desta quarta-feira, as declarações de republicanos e anúncios de TV dos dois lados sobre a reforma de saúde, é parte fundamental da estratégia para pressionar os congressistas na decisão sobre o tema.
Mais cedo, em entrevista à rede pública PBS, Obama, que defendia que a reforma fosse votada antes do recesso parlamentar de agosto, disse que esse prazo pode estourar, mas mantém a necessidade de votação mais cedo possível.
“Se não houver um prazo final, nada acontece nessa cidade […] se alguém vem até mim e diz está quase pronto ainda vai demorar uns dias ou uma semana.”
Fonte: Folha de São Paulo