Acidentes Aéreos: Mente não consegue avaliar risco
Aviões são um dos meios de transporte mais seguros que existem. Há diversos números para prová-lo. Só que, no embate entre abstrações estatísticas e nossos temores ancestrais, são os últimos que mais frequentemente triunfam.De acordo com o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB), com base em dados coletados entre 1982 e 2001, a chance de um cidadão norte-americano morrer ou sair gravemente ferido de um desastre aéreo com avião comercial em rota doméstica é de 0,00003%.Traduzindo essa cifra, no período estudado registrou-se uma média 120 mortes por ano. A título de comparação, os óbitos anuais em acidentes com bicicleta nos EUA chegam a mil e, com carros, 46 mil.Assim, para que as mortes em voos de carreira nos EUA alcancem as registradas em acidentes automobilísticos, seria necessário que um Boeing com cerca de 125 ocupantes se estatelasse todos os dias da semana sem deixar sobreviventes.Se uma pessoa não tem medo de dirigir ou de entrar num táxi para chegar ao aeroporto, teria ainda menos motivos para temer viajar de avião.Tais comparações podem até soar tranquilizadoras quando estamos em terra, mas dificilmente reduzem a ansiedade do viajante prestes a embarcar, especialmente se ele já não gosta da ideia de atravessar um oceano a 11 mil metros de altura.De modo análogo, muita gente tem medo de ser devorada por tubarões, mas poucos receiam afogar-se na banheira. No mundo estatístico, entretanto, a possibilidade de o segundo evento ocorrer é 400 vezes maior do que a do primeiro.Outros temores populares, mas pouco mortíferos incluem tsunamis (risco de 1 para 500 mil ao longo de toda a vida) e envenenamento por animal peçonhento (1 para 100 mil). São chances mínimas quando comparadas a riscos reais, como o de sofrer de doenças do coração (1 para 5) ou câncer (1 para 7).Como observa Steven Pinker em “Tábula Rasa”, mesmo quando são fornecidas informações objetivas sobre o perigo, as pessoas nem sempre conseguem avaliá-las corretamente devido ao modo como a mente avalia probabilidades.O motivo é que, além de termos dificuldade para processar racionalmente determinados conceitos estatísticos, nós contamos ainda com circuitos cerebrais mais primitivos que nos impelem a ficar longe de alturas e de situações sobre as quais não temos controle.Na verdade, não estamos mentalmente equipados para compreender magnitudes com muitos zeros antes ou depois da vírgula. O risco de 0,00003% não diz muito.Além disso, estatísticas que procuram traduzir a probabilidade de eventos únicos (como eu morrer num acidente ou eu ganhar na loteria) podem ser um desafio mesmo para matemáticos. O que significa dizer que a aterrissagem isolada de avião comercial reduz a expectativa de vida de uma pessoa em 15 minutos? Ou bem a aterrissagem falha e eu perco bem mais do que 15 minutos, ou ela é bem sucedida e em nada altera minha expectativa de vida.
Fonte: Folha de São Paulo