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Surfando em tsunami

As reações de algumas autoridades ao colapso do crescimento brasileiro no último trimestre de 2008 são mais assustadoras do que o pavoroso desenrolar da crise internacional. Pessoas que são pagas pelo dinheiro dos contribuintes para fazer seu trabalho de ordenar a economia, zelar pela estabilidade e preparar o País para um crescimento econômico sustentável e mais justo parecem estar pouco sintonizadas com a realidade da economia mundial.
Os discursos da semana me lembraram as declarações de George W. Bush sobre a vitória iminente no Iraque e sobre a “força” da economia americana em seu último State of the Union, há mais de um ano, diante de um Congresso catatônico e de um mundo perplexo. Há queixas semelhantes quanto ao uso político da crise em outros países, principalmente nos EUA, que têm dificultado a arregimentação que é necessária para impedir o pior. Uma proposta de gabinete de crise feita pelo ex-presidente FHC foi ontem ridicularizada pela ministra-candidata, o que mostra que se corre o risco de surfar em tsunami.
No mundo de fantasia em que parecem viver nossas autoridades e muitos políticos, até que os dados lhes caiam no colo, a economia privada parece moldada unicamente pelas expectativas, essas, construídas a partir de declarações de intenção de funcionários e estes, movidos apenas pelas boas intenções e pela “vontade política” dos chefes. A economia em que as quantidades são produzidas, os preços são formados, os trabalhadores são empregados, as máquinas são adquiridas, o poder de compra dos salários e as taxas de juros reais são determinadas é bem mais complexa do que esta “economia modelo” que povoa o cérebro simples dessa gente e que pode ser conduzida no papo e no grito.
Enquanto a economia vai bem e os mercados funcionam com distorções toleráveis, as frases de efeito e a cegueira têm pouco ou nenhum efeito sobre a economia real. No máximo, aumentam o custo de capital, tornam mais voláteis os movimentos de preços mais nervosos, como o de ações e os de juros e câmbio, que reagem muito aos fatos de curto prazo. Mas quando emperram os mecanismos que fazem uma economia de mercado funcionar, os fatos econômicos adquirem uma dinâmica que não depende apenas das palavras de ordem, de demonstrações de otimismo ou da quantidade de tinta usada na caneta que ordena despesas públicas, ao contrário do primarismo que parece inspirar grande parte dos diagnósticos sobre como sair da crise atual.
A pane nos mecanismos básicos que conectam mercados financeiros e os mercados de bens ainda está, infelizmente, longe de ser sanada. A indústria moderna, cada vez mais interligada por cadeias produtivas mundiais, foi duramente atingida pelo colapso do comércio internacional. Este colapso foi provocado pelo desaparecimento repentino do crédito que lubrifica as exportações e toda a logística internacional. Essa pane será prolongada porque fracassaram as medidas que vêm sendo tomadas há mais de um ano para conter a crise financeira. Reduções de juros, medidas de alívio quantitativo e qualitativo não conseguiram restaurar a confiança na intermediação financeira, notavelmente nos EUA e na Europa, por mais que haja “vontade política”. Financiamento ou aquisição de ativos sem preços não curaram o colapso do crédito, principalmente porque a crise desnudou distorções nos bancos, corretoras e seguradoras que expuseram problemas mais estruturais: regulação insuficiente, incentivos distorcivos, controles deficientes do risco, dirigentes pouco preparados para as grandes escalas e fraudes. Este conjunto é complexo demais para ser consertado com alguma medida de aumento de gastos públicos e com a estatização dos bancos, apesar de ambas as medidas serem necessárias em vários países. Outros países só poderão tentar minimizar os custos sociais imediatos de uma depressão. A economia internacional precisa que o G-20 possa promover a coordenação de políticas que são requeridas para abreviar a crise.
O Brasil precisa de um diagnóstico realista. A exemplo de outros países, há um excesso de marketing político (“a crise é dos ricos, eles que resolvam”, “agora eles precisam do Estado”). Mas não há marketing bem-sucedido se não houver produto a vender. No caso da política, sem capacidade de processar os conflitos e encontrar uma estratégia nacional a partir de um diagnóstico adequado, não há como convidar empresários e consumidores a surfar uma onda que pode ser um tsunami.

Fonte: O Estado de São Paulo

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