Crise gera pressão por controle maior do estado sobre a economia
Em meio a uma crise financeira global que colocou em xeque a credibilidade de grande parte das maiores instituições bancárias do mundo, 71% dos brasileiros informados defendem que o governo deveria controlar de forma mais contundente o mercado – em todos os seus segmentos.
Em outros países, a opinião do público ouvido no 10º Estudo de Confiança da Edelman não foi muito diferente. Entre os países do Bric, por exemplo (Brasil, Rússia, Índia e China), 69% defendem regulações mais restritivas do governo sobre o setor privado.
Se há consenso entre os públicos informados do mundo de que é preciso ampliar o controle do governo sobre a economia, o mesmo não acontece entre os especialistas. Há aqueles que defendem, por exemplo, que a falta de regulação não foi um fator preponderante para levar os mercados financeiros ao colapso – o que ocorreu, para essa corrente, foi uma permissividade geral.
“O problema nos Estados Unidos foi, na verdade, um brutal erro macroeconômico, que nenhuma regulação poderia corrigir”, diz o sócio-diretor da RC Consultoria, Fábio Silveira. Para ele, a falta de legislações específicas tornou apenas mais permissiva a relação entre o mercado financeiro e a sociedade. Há até uma linha que, apesar de concordar que faltou um pouco de regulação, acha que a origem da crise está justamente na intervenção do estado sobre a economia, ao estimular a compra da casa própria por cidadãos sem capacidade de pagamento garantida.
“A origem do desequilíbrio foi a falta de correção nos déficits público, fiscal e externo dos Estados Unidos; foi um erro achar que os juros baixos resolveriam esses problemas, enquanto o resultado verdadeiro foi inundar o mundo de liquidez”, avalia Silveira.
Para ele, a discussão sobre regulação é “conversa mole”, e acaba tirando o foco dos verdadeiros erros cometidos. Uma comparação que sustenta sua tese é que o mercado chinês – e nem mesmo o brasileiro – nunca teria crescido como cresceu se estivesse amarrado.
Para ele, é o setor privado sempre defendeu a auto-regulamentação e a não-intervenção do estado; por isso, agora é momento de assumir o erro e tentar corrigi-lo.
“Não podemos cair no extremo oposto da situação anterior, que é a burocratização do capitalismo. Por isso é preciso ter mais elementos sobre o tamanho do problema e sobre como a economia vai se restabelecer para decidir como fazer”, opina ele. Uma das questões que precisa ser respondida antes de se estabelecer novas regras para o mercado é: qual será a participação das economias estrangeiras, especialmente a chinesa, na nova economia norte-americana.
Mas o fato é que a opinião pública em várias partes do mundo pressiona seus governos para atitudes imediatas e drásticas, retomando as rédeas do mercado – seja porque foram omissos no passado recente ou porque o setor privado extrapolou sozinho os limites. “É preciso esperar o redesenho econômico para restabelecer os marcos, mas é lógico que há propensão a uma maior regulação”, avalia. Para ele, se começasse agora, essa re-estruturação seria parcial e não redesenharia a economia da forma adequada.
Já para o professor de finanças Daniel Miraglia, da Business School São Paulo, a falta de regulação foi um fator decisivo para o estouro da crise, e quanto mais cedo se redefinirem as regras do jogo, mais rápido ele vai recomeçar. “Faltou regulação do setor bancário nos Estados Unidos e na Europa. Lá não existe regulamentação sobre o limite máximo de alavancagem financeira dos bancos, que no Brasil é de 12 vezes o patrimônio líquido”, explica.
Segundo ele, a alavancagem do Citigroup hoje, depois de cair muito com a crise, ainda é de 38 vezes. A saída, segundo Miraglia, seria os governos desses países adotarem como limite de alvancagem algo similar ao índice de Basileia, vigente no Brasil.
“Também faltou regulação na negociação dos credit default swaps (CDSs), que cresceram muito sem ter uma clearing house, como uma bolsa de negociações”, aponta Miraglia. Os CDSs ficaram por conta disso, e agravaram o cenário de insegurança da crise. Por não terem a “garantia” de uma negociação em bolsa, ninguém pode assegurar o seu pagamento caso a instituição emissora do papel entre em falência.
Os CDSs, como Miraglia explica, funcionam como “seguros” contra calotes de governos e empresas, emitidos e comprados por terceiros. O problema é que as empresas que compram esses papéis podem abatê-los de seu índice de alavancagem uma vez que estão teoricamente protegidas contra problemas para receber seus créditos. Ninguém sabe até que ponto estes papéis estão artificialmente diminuindo a alavancagem do mercado financeiro norte-americano – e bancos brasileiros podem e também recorreram a este artifício.
Apesar de considerar que a economia global está no meio da tormenta, o professor da BSP avalia que é melhor consertar o barco em movimento, embora com cautela. Isso porque, de um lado, medidas que aumentem o nível de alavancagem dos bancos nos seus balanços seria pior ainda. Por outro, é preciso inverter a tendência negativa de longo prazo para o curto prazo, dando ao mercado a mensagem de que os problemas existem mas estão sendo resolvidos. “Simplesmente injetar dinheiro nesses sistema é pagar para não resolver o problema. É preciso exigir a desalavancagem”, defende o administrador.
“O sistema brasileiro funciona hoje mais como um exemplo, mas é claro que quanto mais regulações transparentes existam, sem intervir no mercado, melhor”, conclui Miraglia.
Fonte: Gazeta Mercantil
