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Será que essa lei seca vai pegar?

Envergonhado com o número absurdo de 25 mil mortes anuais no trânsito, o Governo brasileiro decidiu tomar uma providência radical. Baixou lei pela qual comer filé ao molho madeira ou chupar bombom de licor dá multa e uma cerveja e meia dá cadeia. Para não falar no risco dos gargarejos depois de escovar os dentes ou tomar alguns xaropes para tosse. Pela lei, que é de tolerância pouco acima de zero, você está embriagado e aí não tem perdão: é multa ou cadeia.
É verdade que do jeito que ia o quadro ia mal. O brasileiro estava se matando, cada vez mais, sempre com enorme tranqüilidade, depois de encher a cara a noite toda, sentado com os amigos, jogando conversa fora.
Pelas tantas, achava que era hora de ir embora, saía, pegava o carro e, depois de rodar um pouco, acertava um muro, uma árvore ou outro carro, conseguindo a façanha de se matar ou se ferir gravemente.
Aliás, o problema mais sério não era sequer se matar, mas matar os outros, boa parte dos quais não tinha nada com a festa, mas simplesmente estava no lugar errado, na hora errada.
25 mil mortes por ano depois, o Governo decidiu que era hora de agir.
O problema é que a nova lei é tão radical que ela corre o sério risco de não pegar. Se antes a lei era mais branda, ela não era propriamente ruim. O problema mais sério estava na sua implementação pelas autoridades em geral.
Extremamente deficiente, quando não amaciada pela corrupção, com caixinhas mais ou menos simpáticas, além de processos mal montados nos inquéritos policiais, a fiscalização e a apuração de parte dos acidentes de trânsito deixavam – e ainda deixam – muito a desejar, dando ao infrator uma peneira de malha larga por onde fugir sem muita dificuldade.
Como se não bastasse, sentenças judiciais mandando as seguradoras pagarem indenizações decorrentes de acidentes onde o motorista do veículo segurado havia indubitavelmente ingerido bebida alcoólica complicavam o quadro dramático da impunidade no trânsito, incentivando novos acidentes com o prêmio da indenização que o Código de Trânsito e o contrato de seguro impunham não ser devida.
Com a nova lei, é evidente que as seguradoras saem ganhando. Como desde 16 de junho é proibido dirigir depois de ingerir quantidades mínimas de álcool, não há mais como este tipo de sentença ser proferida. Vale dizer, daqui para frente as seguradoras passam a ter mais chances de não pagar os acidentes nos quais os motoristas dos veículos segurados tenham bebido.
Mas não são só elas. Os bons segurados em geral ganham também, porque, se a lei pega, em pouco tempo o país experimentará uma sensível redução no número de acidentes com veículos, barateando de maneira geral o preço deste seguro.
O grande risco da lei não pegar está no seu radicalismo. Ao punir o motorista que toma um xarope para gripe ou bebe uma lata de cerveja, ela vai longe demais. Além disto, não há qualquer notícia de que as práticas que enfraquecem a aplicação da lei tenham mudado, a começar pelo direito do cidadão se recusar a fazer os testes para provar sua embriaguez. Sem a obrigatoriedade da realização destes testes, ela terá sua eficácia bastante diminuída, principalmente no capítulo das sanções penais.
Então a pergunta que fica é simples: será que esta lei foi feita para pegar ou apenas para inglês ver, já que seu radicalismo e as deficiências para sua correta aplicação podem acabar comprometendo sua própria finalidade? Uma das funções de qualquer lei é punir, mas sua função básica é educar. Por isso, qualquer punição extremada é ruim. O correto seria uma lei temperada de bom senso e uma fiscalização e uma justiça eficientes para garantirem o seu cumprimento. Mais que isso é exagero e, portanto, danoso.
Eu sou a favor de uma lei rigorosa para punir os motoristas embriagados. Há 30 anos, quando morava na Alemanha, de noite andava de taxi, porque já era proibido dirigir depois de beber. Não há razão para não fazer o mesmo aqui. Mas acho justo ter como margem um pouco mais que uma lata de cerveja.
*Antonio Penteado Mendonça é advogado e consultor, professor do Curso de Especialização em Seguros da FIA/FEA-USP e comentarista da Rádio Eldorado. E-mail: advocacia@penteadomendonca.com.br

Fonte: O Estado de São Paulo

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