Responsabilidade civil profissional
Antonio P. Mendonça *
Este tema, curiosamente, espanta boa parte dos profissionais liberais brasileiros. Há mais de vinte anos eu me bato por apólices de seguros de responsabilidade civil para profissionais liberais em geral e até hoje as resistências ao assunto são bastante fortes. O argumento mais usado e que mostra profundo desconhecimento do tema é de que as seguradoras querem empurrar este seguro goela abaixo dos profissionais para ganharem mais dinheiro.
Como se não houvesse ações e mais ações condenando profissionais liberais por erro no exercício da profissão. Ou, o que é mais radical, como se o profissional liberal não estivesse sujeito a falhar e causar prejuízo para um cliente.
O dano mais comum, ou pelo menos o que aparece com mais freqüência na mídia, é o erro médico. Por variar desde um pequeno dano estético até a morte do paciente, o erro médico chama atenção e ganha destaque, o que não ocorre com o dano causado por um advogado, ainda que os prejuízos possam ser tão grandes ou até maiores do que o conseqüente da falha médica.
Para mostrar a importância de um seguro de responsabilidade civil profissional para um advogado, basta colocar uma questão muito simples: qual a chance de um advogado perder um prazo ou uma audiência, em função do caos em que se transformou o trânsito em São Paulo? Acontecendo isso, qual a chance do prejuízo do cliente poder ser bastante elevado, a ponto de comprometer o patrimônio do profissional em função da sua obrigação em indenizá-lo? É importante lembrar que não são apenas os grandes escritórios que trabalham com milhares de processos concomitantes. Esses processos geram publicações, intimações e providências de todas as ordens, umas mais delicadas, outras menos, mas quase todas, se não forem realizadas corretamente, são capazes de causar prejuízos irreversíveis para a parte cujo advogado, por uma falha, deixar de cumprir a sua tarefa.
Na correria do mundo moderno, quantos prazos são deixados para o último dia, muitas vezes porque é nele que o cliente manda os documentos necessários ou presta as informações indispensáveis para instruir a peça? E se nesse dia o caminho para o fórum for exatamente o nó do congestionamento e o advogado por causa dele não conseguir protocolar sua peça? Quem responde pelo processo perdido pela perda do prazo para contestar ou apelar? Todo processo envolve em determinado valor econômico. Vale dizer, a perda de um processo representa uma perda econômica para uma das partes. A advocacia não é uma atividade de resultado. Na medida em que qualquer das partes pode vencer o processo, por mais direito que a outra imagine que tenha, não há como um advogado garantir o sucesso da sua tese e a vitória do cliente. Faz parte do jogo e todo mundo sabe que é assim. Mas, se a derrota nos autos está diretamente vinculada a ação ou omissão culposa do profissional encarregado do caso, por força do Código Civil, ele é obrigado a ressarcir o seu cliente.
Será que é justo um erro absolutamente humano, ainda que indesculpável, comprometer o patrimônio de um profissional? Será que é justo ele ter de entregar a recompensa de uma vida de trabalho, construída muitas vezes em condições dificílimas, em função de ser obrigado a ressarcir um cliente pelos danos sofridos pela perda de um prazo? O seguro de responsabilidade civil profissional existe para isso. Para proteger o profissional liberal de eventuais perdas decorrentes dos prejuízos que possa causar a terceiros em função de erro no exercício de sua profissão.
Nos países desenvolvidos é inimaginável um profissional liberal atuar sem a proteção de uma apólice de seguros. E essas apólices são acionadas regularmente para fazer frente a sinistros dessa natureza.
Isso acontece de forma discreta, invariavelmente, num acordo que repare os danos, sem chamar atenção. Então, por que não adotá-las aqui? Será que o profissional liberal brasileiro é melhor ou diferente dos outros?
*Antonio Penteado Mendonça é advogado e consultor, professor do Curso de Especialização em Seguros da FIA/FEA-USP e comentarista da Rádio Eldorado. E-mail: advocacia@penteadomendonca.com.br
Fonte: O Estado de São Paulo