Beaujolais Nouveau fica cor-de-rosa para o Japão
Pela primeira vez, o Beaujolais Nouveau, vinho capaz de suscitar palavras de desdém (muitas) e de simpatia (cada vez mais escassas), aparece no varejo deste ano em versão rosé. O lançamento, em quantidade limitada, de apenas 400 mil garrafas, é uma simples gota em relação aos 50 milhões de garrafas do Beaujolais Nouveau tradicional e tem endereço certo: o Japão.
O vinho rosé está na moda na França, mas a safra rosé do Beaujolais Noveau foi desenvolvida, na realidade, para atender o gosto dos japoneses, que representam o maior mercado consumidor desse tipo de vinho no mundo, com 11 milhões de garrafas vendidas no ano passado.
O evento que anuncia a chegada do Beaujolais Nouveau, realizado sempre na terceira quinta-feira de novembro – e marcado para ontem neste ano -, é festejado em todo o mundo. Na França, apesar da baixíssima reputação do vinho, a data é comemorada. Bares e restaurantes penduram cartazes com os dizeres “O Beaujolais Nouveau chegou” e incitam os clientes a consumir a bebida. A novidade se transforma em um momento de encontros nos bistrôs parisienses.
Existe, no entanto, um grande paradoxo em torno do Beaujolais Nouveau: um vinho de sucesso mundial, consumido em outros países (até mesmo em restaurantes sofisticados), e considerado na França uma bebida de baixa qualidade, com gosto de banana, morango ou framboesa, o que é considerado um verdadeiro horror pelos franceses. Alguns acham o vinho tão artificial que o comparam a refrigerantes.
Mesmo assim, muitos franceses experimentam todos os anos, por curiosidade, a nova safra, em especial durante os primeiros dias que seguem o lançamento. E apesar da má imagem do produto em seu país de origem, a França ainda representa o maior mercado desse vinho, totalizando 53% das vendas do produto no ano passado.
A festa de chegada do Beaujolais Nouveau se tornou, na realidade, um dos mais bem sucedidos golpes de marketing do planeta. O evento começou em 1951, quando a venda de alguns vinhos franceses passou a ser autorizada no mês de novembro. O setor vinícola do país é extremamente regulamentado e normalmente a safra do ano só pode ser vendida a partir de 15 de dezembro. A exceção feita no caso do Beaujolais Nouveau acabou se transformando em uma oportunidade para promover o produto.
Começa a surgir agora na França um esforço para tentar mudar a imagem degradada do Beaujolais Nouveau. A Lafayette Gourmet, loja de produtos alimentícios sofisticados da Galeries Lafayette, realizou uma campanha para anunciar que o vinho vendido a partir da próxima quinta-feira é fruto de um trabalho exaustivo do sommelier da butique, Bruno Quenioux, que não só descobriu produtores na região que ainda utilizam métodos tradicionais, como também realizou suas próprias misturas de uvas para desenvolver vinhos únicos, que só poderão ser encontrados na Lafayette Gourmet.
“Estive três vezes neste ano na região do Beaujolais para encontrar viticultores e desenvolver um trabalho de resgate da identidade desse vinho”, disse Quenioux ao Valor. “Os vinhedos de Beaujolais foram praticamente destruídos pelo uso excessivo de adubos químicos. Os produtores também passaram a utilizar novas tecnologias de fabricação, que deram à bebida sabores como o de banana, e começaram a usar depois aromas artificiais, desenvolvidos em laboratórios”, diz o sommelier, criticando essas iniciativas.
O Beaujolais Nouveau também acabou ocupando, com o sucesso de sua festa planetária, o lugar de outros vinhos Beaujolais, bem menos conhecidos. A região vem enfrentando nos últimos anos uma grave crise e muitos produtores estão ameaçados de falência. Neste ano, no entanto, nem mesmo o Beaujolais Nouveau apresenta boas perspectivas comerciais. Se na França as vendas devem permanecer estáveis, estima-se que as exportações da nova safra poderão registrar queda em razão da forte alta do euro.
Na França, a garrafa de Beaujolais Nouveau custa nos supermercados entre 3 euros e 5 euros apenas, mas no exterior os preços são bem mais elevados. “As exportações estão em ligeira queda neste ano”, reconhece Franck Duboeuf, um dos maiores distribuidores de Beaujolais Nouveau. A empresa totalizaria cerca de 15% das vendas globais.
O consumo mundial de vinhos vem crescendo nos últimos anos. Em 2006, o aumento foi de 1,4%, segundo a Organização Internacional do Vinho (OIV). A França é o único país entre os principais mercados mundiais (Estados Unidos, Itália, Gra-Bretanha, Alemanha e Espanha), a registrar uma queda de cerca de 2% ao ano. Mesmo assim, os franceses ainda são os maiores consumidores da bebida no mundo.
E muitos deles continuarão degustando, nesta época do ano, o polêmico Beaujolais Nouveau, que nesta safra promete ter “gosto leve, com notas de framboesa”, segundo sommeliers.
Fonte: Valor