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Empresa verde é quase sempre um mito

Bloomberg
Planta da Dow Chemical: empresa investiu US$ 1 bi na redução de 19% de emissões de 1994 a 2005, mas custos tecnológicos impossibilitam mais reduções até 2025
Auden Schendler teve aulas de ambientalismo empresarial diretamente da boca do profeta do movimento. No fim da década de 90, Schendler trabalhava como pesquisador no Rocky Mountain Institute, entidade de pesquisas e estudos em Aspen, Colorado, dirigida por Amory Lovins, lendário autor da idéia de que “abraçando a ecologia” as companhias podem ampliar seus lucros e, simultaneamente, salvar o planeta. Como Lovins dizia a Schendler, elevar a eficiência energética e reduzir emissões é não só um “almoço grátis”, mas “um almoço que você é pago para comer”.
Inspirado nessa promessa, em 1999 Schendler foi trabalhar na Aspen Skiing, tornando-se pioneiro de uma nova classe de executivos: o da “sustentabilidade empresarial”. Oito anos depois, a empresa exibe seus feitos ambientais em seu marketing e decorou sua sede com troféus e placas comemorativas de sua postura ambientalista. No ano passado, a revista “Time” deu a Schendler, de 37 anos, o título de Defensor do Clima.
Mas Schendler não se sente triunfante. Ele pára o carro da empresa no acostamento de uma estrada de terra e desliga o motor. “Quem estamos enganando?” Apesar de seus esforços, a emissão de gases que causam o efeito estufa pela operadora de resorts continua a subir ano a ano. Mais gente de férias implica acomodações que consomem mais energia. Invernos mais quentes demandam toneladas de neve artificial, e mais energia. “Consegui viabilizar muitos projetos atraentes, mas fracassei no que me propus a fazer”, diz ele. “Como tornar uma companhia verde? É quase impossível.”
Praticamente não passa um dia sem que uma companhia importante anuncie ruidosamente seu mais recentes feitos ecológicos: varejistas reformando suas lojas para reduzir o consumo de energia; companhias de eletricidade desenvolvendo imaculados projetos de energia eólica; grandes bancos investindo bilhões de energia limpa. Não importa o que possam dizer os críticos de Al Gore, não há como negar que a mensagem do ganhador do Nobel da Paz foi ouvida. Com a crescente preocupação dos consumidores, as empresas querem mostrar que fazem parte da solução, diz Chris Hunter, ex-administrador de energia na Johnson & Johnson, que trabalha para a GreenOrder, uma consultoria ambiental. “Dez anos atrás, as companhias queriam de nós uma estratégia digital. Agora, querem uma estratégia ecológica.”
Gestão ambiental tornou-se peça fundamental da construção de imagem empresarial. A General Electric diz estar gastando quase todo o seu orçamento multimilionário de publicidade institucional no “Ecomagination”, seu elenco de produtos não agressivos ao meio ambiente, apesar de representar apenas 8% das vendas do conglomerado. Yahoo! e Google proclamaram que em 2008 seus escritórios e centros computacionais emitirão “zero carbono”. O que alimenta o frenesi de relações públicas é a noção de que preservar o clima é melhor que ser economicamente viável. Mas Schendler, que até há poucos anos considerava-se um destacado defensor dessa teoria, agora refuta penosamente a crença em que práticas empresariais verdes produzem as “verdinhas”, do tipo pecuniário.
Contrariando a sedutora tese de Lovins, muitas iniciativas simplesmente não economizam dinheiro. Elas implicam custos que minam a convicção de que a salvação ambiental pode ser barata.
Schendler range os dentes diante do fracasso de propostas modestas, como seu plano, no ano passado, de reformar uma das acomodações mais antigas do resort para consumir menos energia. Ele estimou que um projeto de US$ 100 mil iria pagar-se em sete anos mediante economia de eletricidade. Mas o dinheiro foi para novos teleféricos, snowmobiles e outras compras convencionais.
Freqüentemente vencido nas decisões, o executivo ambientalista admite ter cometido um erro, no ano passado, quando insistiu em que o marketing do resort fizesse ousadas “afirmações verdes” apoiadas na compra de “créditos de energia renovável”. Os CER são um tipo de esquema financeiro ao qual as companhias vêm recorrendo cada vez mais para justificar afirmações de terem reduzido sua contribuição líquida para o aquecimento mundial. Mas a maioria dos CERs comumente empregados, que em tese resultam em que um terceiro desenvolva energia não poluente, acaba revelando-se extremamente duvidosa. A Aspen Skiing baseou-se em CERs para declarar ter “contrabalançado 100% de nosso consumo de eletricidade”. Schendler agora admite que a afirmação era descabida.
A Aspen Skiing não é a única a fazer afirmações suspeitas sobre sua virtude ecológica. A desconsideração de créditos discutíveis de energia renovável esvaziaria as afirmações de benefícios climáticos por dezenas de importantes companhias celebradas por sua liderança ambiental. A Johnson & Johnson proclamou uma redução de 17% nas emissões de carbono desde 1990, predominantemente baseada em CERs. Descontados os créditos, a gigante farmacêutica teria registrado um aumento de 24% em suas emissões.
Em meio a afirmações inflamadas, algumas companhias têm registrado avanços ambientais legítimos. Dow Chemical e DuPont reduziram seus níveis de emissões. Mas ainda há razões para nos preocuparmos sobre comprometimento de longo prazo. A Dow diz ter investido US$ 1 bilhão para conseguir reduções de 19% de 1994 a 2005. Mas devido a dificuldades e custos tecnológicos, a Dow prevê que reduções adicionais não ocorrerão até 2025, daqui a 18 anos.
Grande parte do ambientalismo empresarial não passa de estatísticas e hipérboles enganosas. Para aferições confiáveis, os feitos genuínos precisam ser separados de gestos inócuos que visam apenas pacificar as consciências. Schendler já não considera o setor privado capaz das mudanças impactantes que considerava possíveis há oito anos, o tipo de mudanças que as companhias acostumaram-se a alardear. Seu próprio empregador é “um exemplo perfeito de porque isso não funcionará”, diz ele.
Schendler conseguiu um trabalho, em 1997, no Rocky Mountain Institute (RMI), nas imediações de Aspen, do qual Lovins havia sido um dos fundadores 15 anos antes. Lovins, formado em física, estava trabalhando com sua mulher, L. Hunter Lovins, e o empresário Paul Hawken num livro denominado “Natural Capitalism”, que tornou-se um best-seller. Ao repensar suas operações e selecionar sabiamente suas materiais, argumentava o livro, as companhias poderiam gerar menos poluição e lucrar mais.
Em 1999, Auden ficou sabendo que o Aspen Skiing, um complexo de hotéis e pistas de esqui freqüentadíssimo por gente rica em férias, estava buscando um diretor ambiental. O cargo parecia se encaixar perfeitamente. O setor de serviços a esquiadores, que consome enormes quantidades de energia para criar uma fantasia de permanentes montanhas de neve fofa e acolhedores refúgios alpinos, proporcionava um lugar ideal para pôr essas abstrações em prática.
A Aspen Skiing, uma companhia limitada de propriedade da família Crown, de Chicago – que faturou bilhões de dólares por sua participação no grupo General Dynamics, fornecedora de equipamentos ao Exército -, transpira genuína preocupação com a natureza, inclusive porque seus negócios derreteriam se as temperaturas subissem apenas alguns graus.
Seu primeiro alvo foi o Little Nell Hotel, com 90 quartos. A luxuosa infra-estrutura de hospedagem aninhada na base da montanha Aspen devora tanta eletricidade, que Schendler estava convencido de que seria fácil melhorar a eficiência. Ele disse ao então gerente, Eric Calderon, que queria instalar lâmpadas fluorescentes em todos os quartos de hóspedes. As novas lâmpadas durariam dez vezes mais tempo, consumiriam 75% menos potência e se pagariam em apenas dois anos. A resposta foi negativa. Calderon preocupava-se com que uma lâmpada fluorescente sugeriria um ambiente de sala de espera, pondo em risco a classificação cinco estrelas do estabelecimento. “Sempre há uma necessidade de equilibrar preocupações ambientais e a satisfação das expectativas da clientela”, diz ele.
Schendler voltou sua atenção para a garagem subterrânea do Little Nell. Os hóspedes nunca a viam, porque manobristas estacionavam todos os carros. Schendler disse que, por US$ 20 mil, poderia substituir luminárias fluorescentes de 175 watt por lâmpadas, e economizar US$ 10 mil por ano. Sem se deixar impressionar, Calderon novamente rejeitou a proposta. Se ele dispusesse de US$ 20 mil para gastar, preferiria usá-lo em coisas que os hóspedes notariam: suntuoso mobiliário em couro ou novas louças para os banheiros.
Na reunião seguinte da alta administração da companhia, Schendler trouxe um cartaz para a apresentação de seus argumentos defendendo a nova iluminação para a garagem. Mas Donald Schuster, o diretor de infra-estrutura, não acreditava que o esquema proposto pouparia dinheiro. “Eu estava cético sobre os cálculos de retorno sobre o investimento de Auden referentes à mudança na iluminação”, relembra Schuster. “Uma das preocupações foi de que estaríamos investindo em mudanças com base em retornos teóricos, sem nenhuma oportunidade real para aferir os retornos reais.”
Foram precisos dois anos para que Schendler superasse a resistência à substituição da iluminação da garagem, e apenas depois que ele obteve uma dotação de US$ 5 mil de uma organização local sem fins lucrativos. Ele reconhece ser estranho que uma companhia com uma receita anual em torno de US$ 200 milhões, segundo gente do setor (a companhia nega-se a fornecer seus números), recorra a uma ONG para reduzir seu consumo de eletricidade.

Fonte: Valor

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