Redução da Criminalidade em Bogotá: Um plano bem-sucedido
Administração pública eficiente e repressão em doses baixas: essa foi a receita para o combate da violência em Bogotá, diz o ex-secretário de Segurança da cidade, Hugo Acero. Sempre que se discute como reduzir a criminalidade, a cidade de Bogotá, capital da Colômbia, é apontada como um exemplo de sucesso no combate à violência urbana. Pudera: de 1993 para 2006, a taxa de homicídios despencou de 80 para 18 por 100 mil habitantes. Ou seja, uma queda de 77,5%. Aparelhamento da polícia, ataque à corrupção e recuperação dos espaços urbanos foram medidas muito importantes.
No entanto, o que fez diferença de verdade foi a sintonia fina na gestão pública, diz, nesta entrevista ao Valor, o sociólogo Hugo Acero, que foi por nove anos secretário de Segurança e Convivência da prefeitura de Bogotá (em três gestões distintas). Hoje consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Acero participará na segunda-feira de um debate durante a segunda edição do Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito, promovido pelo Itaú Cultural, em São Paulo.
Valor: Quais foram as principais razões que fizeram que a violência despencasse em Bogotá?
Hugo Acero: Foram várias medidas, mas acho importante ressaltar os elementos de gestão institucional. Em 1995, os prefeitos bolivianos assumiram a responsabilidade constitucional e legal de garantir a segurança dos cidadãos. Eles convocaram todos aqueles envolvidos com a questão da segurança para trabalhar de forma coordenada. Foi criado um sistema unificado de informação da violência e delinqüência, do qual fazem parte a Polícia Nacional, a Receita Federal e a administração municipal. Esse sistema entrega relatórios aos meios de comunicação todos os meses. Também se constituiu um plano de convivência e segurança cidadã, com programas preventivos e coercitivos. Estimulou-se a participação dos cidadãos e do setor privado. A cada dois meses, entregam-se resultados públicos da segurança. Há um plano de convivência e segurança até 2015, com metas precisas de redução da violência e melhoramento da convivência.
Valor: No Brasil, os municípios têm pouco poder e autonomia…
Acero: Cedo ou tarde, o Brasil terá de dar maiores responsabilidades em termos de segurança aos governos locais. E terá de estudar possíveis fontes de financiamento da segurança.
Valor: De que forma vocês aparelharam a polícia?
Acero: Há um Plano Diretor de Equipamentos de Segurança e Justiça, que busca fortalecer com recursos do município a Polícia Nacional, os organismos de Justiça, incluindo as cadeias, em quatro áreas: mobilidade (carros, motos, bicicletas e cavalos), comunicações e vigilância (rádios, câmeras de vídeo), instalações (construções de 20 estações de polícia, 123 centros de atenção imediata e quatro cadeias) e capacitação de recursos humanos (a cada dois meses, 200 policiais fazem reciclagem nas melhores universidades de Bogotá, para que compreendam as problemáticas da cidade e trabalhem mais próximos aos cidadãos). Também combatemos a corrupção com maior controle e sanções exemplares, além de reconhecimento público aos bons policiais e funcionários de Justiça.
Valor: De que forma vocês recuperaram o espaço urbano para retirar a população do crime?
Acero: Trabalhamos na recuperação de espaços públicos invadidos por vendedores ambulantes e melhoramos as áreas deterioradas com obras públicas, como alamedas e parques. Toda a cidade deve ser espaço de encontro dos cidadãos. Assim se fortalece a democracia. Em Bogotá, desde 1997, muitas atividades que antes não existiam começaram a se realizar em locais públicos. Nasceu então o Rock no Parque, o Jazz no Parque, os festivais latino-americanos de teatro e cinema, o festival de verão. Assim, excluímos as medidas repressivas que caracterizaram Nova York.
Valor: Para fazer isso, é preciso dinheiro, não?
Acero: Sim. O orçamento para a segurança aumentou de forma progressiva de US$ 10 milhões em três anos, nos anos 1990, para mais de US$ 150 milhões de 2004 a 2007. Não há alternativa. É preciso conseguir recursos para educação e segurança. É um problema econômico. Sem isso, não há emprego, não há investimento, não há bem-estar.
Valor: Há alguma medida que vocês adotaram em Bogotá e não deu certo?
Acero: Proibimos o porte de armas de fogo com sucesso, mas não conseguimos controlar o porte de canivetes e outras armas cortantes. Também não funcionou cassar a carteira dos motoristas embriagados. Eles conseguiam rapidamente esse documento em outro município.
Valor: Quais medidas vocês implantaram para combater o tráfico de drogas que deram certo e quais fracassaram?
Acero: Atacamos de maneira direta o tráfico de drogas, os distribuidores, mas a lei não contemplava sanções exemplares quando se encontrava pouca droga no ponto-de-venda. Há dois meses, começou a se aplicar na Colômbia uma lei que permite a desapropriação do imóvel que funciona como ponto de droga. Essa é uma medida muito boa.
Valor: Como combater o tráfico de drogas e o crime organizado, um dos principais problemas também no Brasil?
Acero: Não dá para combater esse problema sem a colaboração da comunidade internacional e sem um plano do qual façam parte todas as autoridades de Segurança e Justiça responsáveis pelo tema. Como nossos países têm uma Justiça pouco efetiva, corruptível e nossas prisões são hotéis para os criminosos, a extradição é uma medida efetiva para combater os líderes do tráfico. Também é preciso envolver os governos locais, para que combatam a distribuição miúda das drogas.
Valor: Como combater grupos criminosos como o PCC [Primeiro Comando da Capital]?
Acero: Atacando as suas finanças, congelando os seus bens, realizando trabalhos de inteligência para deter e processar seus líderes e os castigando de maneira exemplar em prisões de segurança máxima, onde se restrinjam contatos com o mudo exterior.
Valor: O Brasil é um dos países com a pior distribuição de renda do mundo e um índice de desemprego altíssimo. Diante de tais circunstâncias, é possível resolver o problema da criminalidade?
Acero: A Colômbia não é muito diferente do Brasil. Não se deve esperar que se acabe com a pobreza para então garantir a segurança. É preciso trabalhar nos dois campos de forma paralela, com decisão política, com recursos dos impostos e com planos que se executem de imediato e também no médio e longo prazo. São necessárias políticas de Estado de, no mínimo, dez anos. Políticas de Estado, não de governo.
Valor: Quais são as principais causas da violência? Pobreza explica tudo?
Acero: Existem muitas causas, mas quero ressaltar a violência dentro das famílias e o maltrato infantil. Uma criança que cresce no meio da violência exercerá violência como criança, jovem e adulto. Mais que a pobreza, a violência no interior dos lares é a causa maior da nossa violência. Há regiões muito pobres que gozam de bons níveis de convivência e segurança. Não existe uma relação direta entre pobreza, violência e delinqüência.
Valor: O Brasil é um país com histórico de baixa organização social. Como envolver a população nessa luta?
Acero: Para que qualquer política pública seja efetiva, é necessário fortalecer o capital social, organizar as comunidades. Nos países onde existe ampla organização da sociedade civil, capital social, são baixos os indicadores de violência e delinqüência.
Fonte: Valor