René Garcia – Uma no Cravo e outra na ferradura
Antonio Penteado Mendonça*
Uma no cravo, outra na ferradura
A sensatez de um desembargador contrasta com o poder monocrático de um juiz
Se de um lado o desembargador José Renato Nalini, do Tribunal de Justiça de São Paulo, publica A Rebelião da Toga, um livro fundamental para a discussão do futuro do Poder Judiciário brasileiro, de outro, um desembargador federal do Rio de Janeiro afasta de suas funções o titular da Superintendência de Seguros Privados, sem que haja um forte motivo para medida tão radical. São duas realidades opostas, que mostram o momento por que passa o Poder Judiciário no Brasil.
O livro de José Renato Nalini é uma aula de coragem e lucidez pela forma direta com que aborda os principais problemas que resultam na crise do Judiciário e que afetam o desempenho dos juízes, sob uma ótica criativa e revolucionária que sem dúvida nenhuma serviu ao autor para dar o título à obra.
Prefaciada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, A Rebelião da Toga é leitura indispensável para quem busca solução eficiente para o grave problema da falta de segurança jurídica no País. Claro, dividido em capítulos curtos, mas bem embasados conceitual e faticamente, aborda temas delicados para os operadores do direito em geral e não apenas para os integrantes do Poder Judiciário.
Sem pretender ser panacéia para as dificuldades que afetam o desempenho da Justiça, o livro expõe os principais problemas e indica as soluções que, na visão do autor, seriam capazes de minimizar as dificuldades atuais, além de sugerir novos rumos para assuntos tão importantes quanto à seleção e à formação dos juízes ou o enxugamento do número de órgãos que atualmente compõem o Poder Judiciário brasileiro.
A Rebelião da Toga é instigante a partir do título que, em princípio, poderia ser tomado com uma enorme contradição, ou uma provocação (para não falar num incitamento), já que não se espera uma rebelião de quem é, em última análise, o responsável maior pela manutenção da paz e pelo funcionamento do ordenamento sociojurídico vigente daí seu perfil, normalmente, conservador e avesso às revoluções ou rebeliões.
De outro lado, a decisão monocrática de um desembargador federal do Rio de Janeiro, afastando o titular da Superintendência de Seguros Privados, sem que este tenha sido condenado, ou sequer ouvido antes da decisão, levanta questões, cuja maioria das respostas aponta para o descompasso entre o atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira e a visão das necessidades de estabilidade e segurança desta sociedade por parte do Poder Judiciário.
Será que tem sentido a lei permitir a um único julgador, por mais abalizado e competente que seja, afastar um funcionário público do comando de uma autarquia ou uma agência fiscalizadora de uma determinada atividade econômica?
Se a resposta for sim, estamos diante de uma situação caótica que com certeza afastará do Brasil a grande maioria dos investidores internacionais, que não colocarão aqui seu dinheiro pela absoluta falta de confiança no sistema legal vigente. Como confiar num ordenamento que permite que um juiz, instigado por alguém insatisfeito com os rumos dados pelo órgão regulador para um determinado assunto de seu interesse, simplesmente afaste o dirigente do órgão, em decisão traumática para o mundo dos negócios e eventualmente sem os pressupostos jurídicos mínimos exigidos pela própria lei?
O afastamento de um superintendente, um diretor, ou um presidente de uma autarquia ou agência reguladora não é a expulsão de um jogador de futebol. Não é uma medida que, estando errada, possa ser justificada como uma eventual falha do árbitro, passível de acontecer neste esporte.
O que está em jogo é a imagem do País, a credibilidade da administração pública e a competência operacional do órgão para exercer sua missão legal. Por isso, o afastamento de um dirigente de órgão normatizador e/ou fiscalizador de uma determinada atividade econômica é uma violência que só deveria ser aplicada diante de fatos indiscutíveis, ou no mínimo de provas objetivas suficientemente fortes para dar suporte à violência praticada contra ele, desde que analisado e decidido por um colegiado.
Assim, para evitar a repetição de fatos como este, onde o dano social é indiscutível, faz-se indispensável mudar a lei para proibir que um único julgador tenha o poder de decidir, sem levar em conta as conseqüências do ato. O que está em jogo é o futuro do Brasil. Mas como se vê, os times se dividem entre os que querem melhorar as regras e os que complicam a partida.
* Sócio de Penteado, Mendonça e membro da Academia Paulista de Letras. Próximo artigo ao autor em 28 de março
Fonte: Gazeta Mercantil
