Outubro, o mês das bruxas: da fogueira ao feminicídio
Outubro é popularmente chamado de “mês das bruxas”. O imaginário coletivo associa a figura feminina à magia, ao feitiço, ao mistério — mas também à ameaça. Durante séculos, mulheres que ousaram pensar, curar, questionar ou simplesmente viver fora dos padrões impostos foram perseguidas e queimadas como “bruxas”. Esse rótulo nunca foi sobre magia, mas sobre silenciamento e apagamento. Foi uma estratégia de um sistema patriarcal para dividir, controlar e domesticar corpos e vozes femininas.
A bruxaria inventada foi o pretexto. A real “magia” dessas mulheres era a coragem de resistir e existir.
Cinco séculos depois, seguimos convivendo com novas fogueiras e ainda mais mortais. O Atlas da Violência 2025 aponta que dez mulheres são assassinadas por dia no Brasil. É como se todos os dias, em silêncio, uma nova inquisição continuasse sua caçada. O nome mudou, mas a essência é a mesma: uma sociedade que considera perigosa a autonomia feminina.
Se antes as fogueiras iluminavam praças, hoje as estatísticas escancaram a escuridão.
Mas há também outro tipo de magia em curso: a de permanecer vigilante e resistente. Ser mulher no Brasil é, diariamente, um ato de sobrevivência. É também um feitiço coletivo, tecido em redes de apoio, em alianças entre gerações, em espaços onde nos reconhecemos e nos fortalecemos. É o feitiço da esperança em dias menos violentos e mais justos.
Se a “bruxa” foi historicamente demonizada por não depender de ninguém, por possuir saberes próprios e por gerar medo em estruturas de poder, hoje o equivalente moderno dessa autonomia é a independência financeira.
Conceder e garantir às mulheres educação de qualidade, acesso a oportunidades econômicas, empreendedorismo, liderança no trabalho e políticas de igualdade salarial é criar caminhos de resistência perenes.
A falta de autonomia financeira aprisiona, silencia, cala, e pode ser um lugar de medo, de submissão e de violência. Dados como o de acima compõe, entre outras razões, motivos para manutenção de ciclos de violência doméstica, por não terem como sustentar sua liberdade. É ela que as coloca em posições de vulnerabilidade e dependência. Ao contrário, quando a renda, a profissão, o negócio ou a carreira tornam-se instrumentos de autonomia, nasce um poder transformador — uma “magia” concreta, capaz de ampliar direitos e abrir portas para gerações futuras.
Investir em autonomia financeira feminina não é apenas questão de equidade: é também uma estratégia social de combate à violência. Cada real conquistado por uma mulher é também uma centelha apagando as fogueiras do passado.
O “mês das bruxas” pode ser um convite à lembrança: não das caricaturas de chapéus pontudos e verrugas, mas da memória das mulheres que tombaram e das que ainda hoje insistem em levantar.
Talvez a bruxaria mais poderosa que exista seja justamente essa — transformar dor em luta, medo em coragem, dependência em liberdade.
Outubro, mais do que um mês de lendas, é o mês para lembrar que mulheres não precisam de vassouras e caldeirões para serem mágicas. Basta garantir-lhes condições de viver com dignidade, segurança e autonomia. Essa é a verdadeira feitiçaria contra a violência: um feitiço feito de liberdade.
Nesse caminho, programas de mentoria têm se mostrado dispositivos fundamentais para cultivar autonomia e independência. A mentoria cria espaços seguros onde mulheres podem compartilhar saberes, trocar experiências e construir novas trajetórias. Ao conectar gerações, fortalece a confiança e acelera o acesso a oportunidades que, muitas vezes, são negadas.
A verdadeira magia da mentoria está em romper o isolamento, em transformar o medo em potência e em ensinar que nenhuma mulher precisa enfrentar sozinha suas batalhas. É nesse encontro de histórias que surgem as lideranças capazes de abrir portas e redesenhar futuros.
Por isso, se queremos extinguir de vez as fogueiras modernas, precisamos olhar para a mentoria não como um luxo, mas como uma estratégia urgente e estruturante. Quando uma mulher se apoia em outra, um feitiço de liberdade é lançado.
Aos que nos leem neste outubro, fica o convite: apoiem, criem ou participem de programas de mentoria como os que temos na Sou Segura. São 7 Programas, 7 ciclos de partilha e aprendizado. Em cada um deles uma centelha acesa contra a escuridão da violência e um passo firme em direção a uma sociedade em que ser mulher não seja sinônimo de risco, mas de potência.
Fonte: Ipea – Atlas da Violencia v.2.8 – Atlas da Violência 2025
