Incluir e integrar: equidade é um compromisso coletivo nas organizações
* por Maria Cristina Bettencourt, diretora de Precificação e de Produtos Property e Energia da Sompo
Imagine uma orquestra. Cada instrumento tem seu timbre, sua função, sua beleza. Mas, para que a música aconteça, é preciso que todos toquem juntos, respeitando o tempo e o espaço de cada um. A liderança feminina, quando integrada com consciência e respeito, é como um instrumento que enriquece a harmonia organizacional com suas características singulares. E essa sinfonia só se realiza plenamente quando todos — inclusive os homens — assumem o compromisso de ouvir, incluir e integrar.
Certa vez, participei de uma reunião externa, sendo a única executiva em um grupo de sete pessoas. Em determinado momento precisei insistir para que me deixassem concluir meu raciocínio em uma questão específica. O motivo? Minha voz estava sendo “atropelada” pela dos colegas ao lado de uma forma bastante naturalizada, sem pudor.
Saí desse encontro relembrando o número de vezes em que, no início da minha carreira executiva, vi as pessoas julgarem mulheres que se tiveram de demonstrar firmeza para que suas ideias fossem ouvidas e consideradas, atribuindo a elas adjetivos como “irritadas”, “agressivas” ou “emocionalmente descontroladas”. Essa, aliás, é uma interpretação comum – e bastante equivocada – de certos posicionamentos femininos.
Esse tipo de julgamento, muitas vezes, é validado até por outras mulheres, que na verdade, deveriam apoiar suas pares no ambiente corporativo, mas ainda reproduzem séculos de padrões de comportamento. Outra situação comum é quando homens atribuem a nós funções secundárias — como servir café ou organizar pautas durante as reuniões — ignorando nossa capacidade estratégica. A invisibilidade da nossa fala e a ausência em decisões importantes ainda são barreiras reais.
A liderança feminina ainda é atravessada por expectativas de conformidade a modelos masculinos. Muitas vezes, espera-se que mulheres adotem posturas rígidas, competitivas e racionais em excesso para serem reconhecidas como líderes. Esse padrão, além de excludente, ignora a potência de estilos de liderança baseados em empatia, escuta ativa e colaboração. Ser autêntica exige coragem — especialmente em ambientes que valorizam o “molde do diretor padrão”.
Reconheço que o mercado de trabalho já avançou bastante no quesito inclusão feminina, mas é evidente que ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Eu tenho a sorte de trabalhar em uma empresa em que o presidente é genuinamente engajado na pauta de “Diversidade, Equidade e Inclusão”. Temos programas de sensibilização e escuta, mentoria e rede de apoio, além de mapeamento frequente de indicadores das ações. Mas sei que isso não é regra no mundo corporativo.
Falando especificamente do setor de seguros, de acordo com o 5º Estudo Mulheres no Mercado de Seguros no Brasil, realizado pela ENS com apoio da Sou Segura, observa-se que, embora as mulheres representem 55% da força de trabalho nas seguradoras brasileiras, sua presença em cargos de liderança ainda é significativamente menor. Atualmente, para cada diretora mulher, há 2,4 diretores homens, proporção que, embora tenha melhorado em relação a 2012 (quando era de 4 para 1), permanece distante da equidade ideal. A disparidade salarial também persiste: as mulheres recebem, em média, 70% do salário dos homens em funções equivalentes, mantendo-se esse índice praticamente estável nos últimos nove anos. Esses dados evidenciam que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir igualdade de oportunidades e remuneração no setor.
O que fazer para melhorar esse cenário? Se você lidera ou exerce papel de influência em uma organização, pratique e incentive a liderança inclusiva e tenha o tema entre suas causas prioritárias. Seja o exemplo que mobiliza e inspira outras pessoas a se engajarem na pauta. Valorize a cultura de respeito. Crie dinâmicas para viabilizar a presença feminina em diferentes áreas, cargos e contextos, inclusive no que se refere à estratégia. Posicione a sua empresa como uma sponsor desse tema.
Se você é mulher, não perca oportunidades de dar o seu suporte às colegas que estão ao lado. Disponha-se não apenas a potencializar talentos, como também a indicar o que acredita que pode ser melhorado. Parabenize, dê créditos, enalteça, fale bem, aplauda, apoie diante de uma dificuldade. Iluminar o caminho de alguém não apaga o nosso brilho — pelo contrário, fortalece tanto nossa luz individual quanto coletiva.
Diante da oportunidade de ascender, vá com coragem ou, ainda que esteja com um pouco de receio, vá da mesma forma. É necessário ocupar os espaços. Não permita que podem quem você é ou como faz as coisas. Não se ajuste para caber nos padrões masculinos. Esse encaixe perfeito não existe. E, aliás, é nas diferenças e na soma do que cada um tem de melhor que está a potência de muitos negócios de destaque.
E se você é homem, saiba que seu papel é essencial. A equidade não é apenas uma responsabilidade institucional da organização ou uma pauta feminina, mas sim, uma questão humana. É preciso abandonar a postura de espectador e assumir uma atitude construtivista, voltada à integração. Como em uma orquestra, não basta que o novo instrumento esteja presente — é preciso que os demais músicos ajustem sua escuta, acolham a diferença e toquem juntos.
A equidade começa com escolhas. Escolhas diárias, conscientes, que removem estruturas invisíveis de desigualdade. Requer coragem, apoio e posicionamento firme contra atitudes que barram o avanço da diversidade. Afinal, o silêncio diante da exclusão também é uma forma de exclusão.
Liderar sendo quem se é — com autenticidade, empatia e presença — é uma força regenerativa. A equidade é o resultado da prática contínua de incluir e integrar. E só se concretiza de fato, quando todos se comprometem.
Promovam as mudanças que vocês querem ver no mundo, começando pelas próprias vidas. Compartilhem suas histórias, suas reflexões. A liderança feminina sem moldes é uma jornada coletiva — e cada passo conta.
Está nas mãos de cada um de nós a oportunidade de remover estruturas invisíveis de desigualdade no mundo corporativo, dia a dia, passo a passo. Sempre de maneira planejada, contínua e consistente.
E, se equidade começa com escolhas, quais você está fazendo hoje?
