Consumo: especialista comenta elevado grau de judicialização no Brasil
A professora Angélica Carlini, autora de livros como “Aspectos Jurídicos dos Contrato de Seguros” e “Judicialização da Saúde Pública e Privada” (ambos da editora Livraria do Advogado), acredita que, nas relações de consumo do mundo contemporâneo, cada vez mais convergentes para o ambiente digital, o debate que prevalece é histórico e se refere à questão da ética.
Entusiasta das novas tecnologias pelas facilidades que trazem a um custo relativamente baixo, ela defende que o consumidor seja cada vez mais bem informado para que assuma o protagonismo nas relações de consumo.
Ela entende que somente assim será possível reduzir o elevado grau de judicialização ainda existente no país. Trazendo a discussão para o mercado de Seguros, ela menciona a estratégia de comunicação adotada para o Seguro DPVAT como exemplo do que considera fundamental nesse processo de construção do protagonismo do cliente: a ausência de tecnicismos, a linguagem simples, humanizada. Confira abaixo a entrevista completa.
1-Como enxerga as relações de consumo no momento atual, em que as empresas e os consumidores convergem para o ambiente digital?
Acredito que o ambiente digital – ou majoritariamente digital – sem dúvida alguma traz novas necessidades e novas formas de agir, mas, ao fim e ao cabo, as questões que se apresentam são históricas: dizem respeito à ética nas relações de consumo. Na prática, todas as relações estão sendo impactadas pela tecnologia, sejam elas de consumo, familiares, ou institucionais, mas o debate continua centrado na questão ética. No ambiente digital não estamos nos relacionando olho no olho. Portanto, temos sempre que medir a experiência do consumidor. Devemos caminhar para um ambiente em que haja diálogo prévio e posterior e mensurar, de múltiplas formas, aspectos positivos – ou nem tanto – nessa experiência, visando sempre aprimorá-la. Isso certamente demanda a revisão de conceitos, especialmente sobre a forma de abordar esse consumidor. Mas existem hoje estudos muito bem feitos sobre a racionalidade do consumo, que facilitam essa abordagem e podem ajudar, inclusive, na formatação de novos produtos e serviços.
2-A despeito do aprimoramento das relações de consumo, especialmente a partir do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a judicialização ainda é elevada no país. Como avalia esse comportamento do consumidor no mercado de Seguros, em geral?
No meu entendimento, a evolução da comunicação não trouxe, na mesma medida, mais qualidade ao diálogo. Prova disso é que as pessoas têm encontrado mais pontos de ruptura que de consenso. Nossa época tem muito mais facilidades, mas não tem efetividade de diálogo. Isso se explica por várias razões, entre elas há o fato de as pessoas sempre desejarem que alguém resolva algo por elas. Há casais que recorrem ao judiciário para decidir a escola em que o filho deverá estudar, por exemplo. Como não conseguem decidir sozinhas, na base do diálogo, recorrem à Justiça. Isso é próprio de sociedades como a nossa, com um histórico de autoritarismo.
Basta lembrar que a escravidão só terminou no fim do século XIX. Somos uma República jovem, uma democracia jovem, sempre com uma forte presença do Estado. Estamos acostumados a pensar que aquilo que o Estado “manda” é que é o correto. Isso nos leva muitas vezes à percepção de que uma decisão judicial nos deixa mais protegidos.
3-Como mudar esse quadro?
Não atingimos, ainda, como sociedade, um grau de maturidade que nos dê protagonismo nas relações de consumo. Muitas pessoas têm a visão de que existe um “departamento de maldade” nas empresas, desconsiderando, por exemplo, a possibilidade de que tenham feito uma má escolha, com pressa, sem observar as condições de um determinado contrato. Isso ocorre no mercado de Seguros e em muitos outros. Só vamos nos livrar da judicialização à medida que as pessoas tiverem mais informação. Entendo que as empresas devem informar mais e melhor, sem tecnicismos, a fim de que o consumidor fique motivado e assuma o protagonismo nas relações de consumo.
Acho que o DPVAT faz isso de maneira muito interessante. As campanhas são informativas, extremamente amigáveis, chegam no ponto certo. Acho que esse é um caminho que precisa ser perseguido diariamente. As empresas precisam ser fornecedoras de experiências positivas para as pessoas. É preciso cada vez mais dialogar, informar e aferir . Mas sou muito otimista e acho que estamos em um momento excepcional para isso.
Fonte: NULL