Previdência: cobrança dos devedores é necessária, mas não substitui a reforma
A lista dos devedores da Previdência é munição não mãos dos críticos da proposta da reforma encaminhada pelo governo ao Congresso. Segundo o Ministério da Fazenda, em janeiro a dívida total era de R$ 432,9 bilhões. Entre os 500 maiores devedores estão muitas empresas falidas, como as aéreas Varig, Transbrasil e Vasp. Mas também há empresas que vão muito bem, obrigado. É o caso dos gigantes Bradesco, Gerdau, Fibria, Eletropaulo, Braskem e Pão de Açúcar.
Em uma conta simples, aquele valor é o suficiente para cobrir duas vezes o Déficit previsto para o ano, de R$ 189 bilhões. Diante desses números, muitos passaram a se perguntar por que não cobrar essa dívida e evitar o remédio amargo da reforma que propõe aos brasileiros trabalhar por mais tempo até a aposentadoria?
A economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, é uma dessas vozes críticas à reforma. Convidada a apresentar um parecer na Comissão Parlamentar de Inquérito que analisa as contas da Previdência Social, em maio, ela afirmou que o governo subestima as receitas, erra nas previsões e, além de não ir atrás dos devedores, abre mão de recursos da seguridade social com renúncias que, na sua visão, são injustificáveis. Para Denise Gentil não há Déficit.
O problema da Previdência é de gestão, sentencia a economista.
Do lado dos defensores da reforma, Rogério Nagamine, coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, afirma que as críticas estão mal colocadas ao contrapor a cobrança dos débitos à necessidade de reforma, como se uma eliminasse a outra. Nagamine concorda que a cobrança da dívida é uma obrigação e igualmente questiona a renúncia fiscal. Garante, porém, que o problema é estrutural, de sustentabilidade do sistema que começa com o aumento da expectativa de vida fenômeno que atinge o mundo inteiro e o envelhecimento da população.
O caso específico do Brasil tem um agravante que, para ele, é o crescimento explosivo dos benefícios associados a distorções do sistema.
Mesmo que você recuperasse todo o valor dos débitos, seria suficiente para cobrir no máximo um ou dos anos do Déficit da Previdência. E depois?
Pelos cálculos do coordenador do Ipea, a despesa do Regime Geral de Previdência Social, que já estava num patamar de 4% do PIB em meados da década de 1990, passou em 2015 para 7,4%, e tudo indica que neste ano vai chegar a 8%. Somando-se a despesa da previdência dos servidores públicos e o benefício de prestação continuada da Lei Orgânica de Assistência Social chega-se a uma despesa, hoje, de 12% do PIB na visão dele, um valor muito elevado e típico de países que têm uma participação de idosos que é o dobro da do Brasil.
Gentil contesta estes números. Ela afirma que o arcabouço legal baseado no Artigo 195 da Constituição de 1988 (que cria o sistema de seguridade social) foi muito bem pensado, com um conjunto sólido de receitas suficientes para sustentar a Previdência, mesmo em momentos de crise econômica. E que o governo toma dinheiro carimbado para a Previdência e desvia para o pagamento da dívida pública e os gastos correntes. A pesquisadora se refere às contribuições como Cofins, o sistema PIS/Pasep e a própria CSLL que, como o nome diz, é uma contribuição para a seguridade.
O que é pior, diz ela, além de não cobrar os devedores da Previdência, o governo não vai atrás dos sonegadores que, pelos seus cálculos, deixam de recolher 27,8% dos tributos previdenciários, ou o equivalente a 1,7% do PIB. Citando dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Denise Gentil pontua que, fosse mais duro com os devedores, o governo poderia arrecadar R$ 100 bilhões de imediato.
Sobre o envelhecimento, a economista afirma que o governo trabalha com projeções equivocadas, baseadas na pesquisa nacional Pnad, do IBGE, que superestima a população de idosos e subestima a de jovens. Em 2015, a superestimação foi de 7,9 milhões de pessoas com mais de 50 anos, reitera Gentil.
A PGNF informou que, do valor total da dívida, R$ 52 bilhões (ou 12%) já estavam em processo de pagamento pelos devedores, tendo sido parcelados ou já contando com garantias para o pagamento. Dos R$ 380,9 bilhões a cobrar, 58% são de baixa ou remota possibilidade de recuperação. Por isso, os procuradores focam seu trabalho sobre os 42%, com alta e média chance de recuperação, totalizando R$ 160 bilhões.
Nesse percurso, são muitos os obstáculos à cobrança: esquemas elaborados de fraudes, evasão de divisas para o exterior, blindagem patrimonial e dissolução de CNPJ são algumas das armadilhas montadas pelos devedores. Mas há também mecanismos legais de questionamento das dívidas na Justiça que são amplamente utilizados por grandes empresas para não desembolsar o que devem.
Somente em 2016, a procuradoria abriu ações para recuperar R$ 7,2 bilhões sonegados, utilizando técnicas mais modernas, em processos diferenciados conforme o perfil do devedor. Os instrumentos de cobrança vão desde a inscrição do devedor no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) até os protestos extrajudiciais.
Segundo a PGFN, a novidade no sistema de cobrança é a Portaria MF número 293, de 12 de junho de 2017, que permitirá identificar de forma mais precisa a chance de recuperação de cada débito inscrito como ativo.
Com esse sistema, até dezembro, quando toda a dívida estará classificada, o governo terá um cenário claro sobre o potencial de resgatar seus créditos. E mesmo que parte da dívida esteja classificada como C ou D (de mais difícil recuperação), não será esquecida: A classificação servirá para definir estratégias específicas de recuperação de cada débito, de acordo com o grau de dificuldade, informa o órgão.
Fonte: Valor