Governo cria grupo para reformar Lei de Falências
Mais de uma década depois de editada e em meio a um grande volume de pedidos de recuperação judicial e falências por empresas de todos os portes e setores, a Lei no 11.101, que trata do tema, passará por uma primeira reforma. O Ministério da Fazenda criou um grupo de trabalho para estudar e propor medidas de aprimoramento às regras atuais.
Uma minuta com as alterações deve ser apresentada no prazo de 60 dias. Já a conclusão total dos trabalhos têm previsão de 120 dias, podendo ser prorrogada pelo mesmo período. Há expectativa de que a proposta resulte em um projeto de lei (PL).
A necessidade de mudanças é unânime entre advogados especializados na área. Principalmente porque a legislação vigente, em vigor desde 2005, não prevê certas situações que surgiram com o passar do tempo. Questões não contempladas na norma ou consideradas como inviáveis, do ponto de vista prático, estariam sendo ajustadas nos tribunais.
“As empresas que se valem da lei hoje têm porte que nós não imaginávamos em 2005 e que trazem uma discussão efetivamente mais complexa e que não está na lei. Nunca pensamos, por exemplo, em um discussão societária no meio da recuperação”, diz Juliana Bumachar, vice-presidente da Comissão de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e sócia do escritório Bumachar Advogados Associados.
O processo da Oi – que envolve mais de R$ 65 bilhões – é um dos exemplos do que se refere a advogada. No começo de novembro, o governo federal chegou a ameaçar a edição de medida provisória (MP) para viabilizar uma intervenção na companhia. “Não se pensou em agência reguladora na lei de 2005. Ela tem poder sobre a empresa, mas qual tratamento tem de ser dado?” Um das questões que pode ser definida pelo grupo instituído pelo Ministério da Fazenda é a questão das multas aplicadas por agência reguladora. Há discussão no meio jurídico se os valores devem ser tratados dentro do processo de recuperação – e, nesse caso, o órgão entraria na fila junto com os credores quirografários, que não têm garantias, geralmente os últimos a receber – ou se devem ficar de fora, assim como ocorre com os débitos trabalhistas. Hoje essa questão é definida caso a caso, pelo juiz da recuperação.
Pretende-se ainda modificar pontos da norma, segundo fontes do governo, para facilitar a compra de ativos de empresas em crise. Os estudos ainda não estariam avançados, mas o conceito seria evitar situações em que uma empresa que compra outra que faz parte de uma holding acabe sendo, por decisão judicial, obrigada a assumir dívidas e passivos trabalhistas.
O grupo de trabalho foi instituído pelo Ministério da Fazenda por meio da Portaria no 467. Ao todo, 21 especialistas – entre representantes do próprio Ministério, do Banco Central, juízes, acadêmicos e advogados – vão discutir e propor as medidas de alteração à lei. Um deles é o advogado Thomas Felsberg, sócio fundador do Felsberg Advogados e ex-pre- sidente do Turnaround Management Association (TMA) no Brasil, organização com foco na reestruturação de empresas em crise que está presente em 56 países.
O advogado – que já havia participado do grupo de trabalho que instituiu a lei de 2005 – tem um projeto próprio, de sua autoria, para aprimorar a legislação. O estudo foi, inclusive, apresentado ao Ministério da Fazenda. No texto de Felsberg constam pelo menos 20 pontos que alteram ou trazem novidades ao sistema atual.
São medidas que visam, principalmente, a redução da dívida – para que caiba no orçamento da empresa – e a capitalização de crédito, como a liberação de recursos retidos ou depositados judicialmente em ações trabalhistas e tributárias e a regulamentação de empréstimos na forma de DIP (sigla para “Debtor In Possession”), que prevê vantagens ao fornecedor do crédito em relação aos demais credores.
Uma das principais novidades do projeto é estabelecer o fim do processo de recuperação judicial no momento da aprovação do plano, pela Assembleia-Geral de Credores. “É um binário: se teve o plano aprovado, é uma empresa recuperada, não precisa ficar em juízo por mais dois anos. Mas se ela não tiver recuperada, deve ser liquidada. E a liquidação é, muitas vezes, a venda”, diz Thomas Felsberg. Assim, segundo o advogado, evitaria-se um processo de falência – que leva em média 15 anos – e se conseguiria preservar os empregos, a organização produtiva e a arrecadação de impostos.
Sobre o prazo de 60 dias definido para a entrega da primeira minuta elaborada pelo grupo de trabalho do Ministério da Fazenda – considerado por alguns advogados como pequeno demais, levando-se em conta que a lei de 2005 começou a ser elaborada em 1993 -, Felsberg é categórico. “Se fosse por mim já teria aprovado ontem”, diz. “Passados quatro anos tem que editar a lei para corrigir o que não está funcionando. Nós estamos fazendo isso 11 anos depois da entrada em vigor dessa legislação.” Há uma preocupação do mercado com relação às garantias de natureza fiduciária – consideradas como ponto sensível às empresas em recuperação. Não há informações se o grupo de trabalho instituído pelo Ministério da Fazenda tocará no tema. Especialistas da área, no entanto, esperam mudan- ças. “Os bancos detém entre 80% e 90% do endividamento da média das empresas em recuperação judicial e nada disso entra no processo. Não faz sentido continuar como está”, afirma André Moraes, sócio do Antonelli Advogados.
O advogado diz que os bancos, para ficar de fora dos processos de recuperação, passaram a se cercar dessas garantias. Antes, estavam relacionadas somente ao financiamento de bens – até que houvesse a quitação. “Esse bem, que a empresa não conseguiria ter comprado sem o dinheiro do banco, é o que chamamos de alienação fiduciária originária e não está sujeita à recuperação.” Só que, segundo o advogado, depois da edição da lei de 2005, os bancos passaram a exigir a garantia de outras formas. Uma delas, diz, por meio de renegociação de linha de crédito. Os bancos têm exigido garantia para renegociar débitos. “Então hoje se tem garantia fiduciária de estoque, de equipamentos e até de recebíveis. Entra tudo, mesmo não tendo sido financiado pelo banco originalmente. É por isso que a lei deveria deixar mais clara a natureza das garantias que ficam de fora do processo de recuperação”, complementa o advogado André Moraes.
Fonte: Valor