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Operação Zelotes: Alvo de escândalo bilionário de corrupção, o Carf deveria ser extinto?

Apesar de um tanto obscuro, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que está submetido ao Ministério da Fazenda, é considerado essencial por especialistas na área tributária.
Eles ressaltam que estruturas com a mesma finalidade existem na maioria dos países. São tribunais administrativos especializados em que os contribuintes (empresas ou pessoas físicas) podem questionar cobranças da Receita Federal antes de apelar diretamente à Justiça comum. A importância destes órgãos, explicam especialistas, está no fato de que os magistrados da Justiça comum normalmente não têm qualificação técnica aprofundada para julgar temas tributários. Para eles, a possibilidade de extinção do Carf, como chegou a ser sugerida após denúncias reveladas na Operação Zelotes, não têm fundamento.
“É um absurdo (sugerir sua extinção)”, avaliou Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
“O julgamento administrativo é indispensável e é comum a todas as administrações fiscais que conheço no mundo inteiro. Exatamente por causa da complexidade da matéria. Imagina um assunto desse sendo discutido juiz a juiz. Seria impossível.”
No entanto, apesar de defenderam a manutenção do Carf, os especialistas ouvidos pela BBC Brasil dizem que é fundamental alterar a forma como os julgadores são escolhidos.Eles defendem que conselheiros passem a ser selecionados por concurso, modelo mais comum no mundo, de acordo com Maciel. Atualmente, metade deles são indicados pela Receita Federal e a outra metade por confederações (de empresas e trabalhadores) que representam contribuintes.
Segundo as investigações da Operação Zelotes, alguns conselheiros suspendiam julgamentos e alteravam votos em favor de empresas em troca de pagamentos. De acordo com a Polícia Federal, esse esquema teria afetado a decisão de 70 processos, evitando o pagamento de até R$ 19 bilhões à União. Ao menos 24 pessoas e 15 escritórios de advocacia estão sendo investigados.
O procurador da República Frederico Paiva, que está à frente da operação, já deu declarações públicas afirmando que o atual modelo de composição e atuação do Carf é “suscetível à corrupção”.
A extinção do órgão está sendo defendida pelo Sindifisco Nacional, sindicato que representa os auditores da Receita Federal, e teria sido sugerida também por delegados da Operação Zelotes, segundo o jornal Estado de S. Paulo.
O Carf tem hoje 216 conselheiros, sendo metade deles formada por representantes do Ministério da Fazenda (indicados pela Receita Federal) e metade por representantes dos contribuintes – advogados indicados por confederações da indústria, comércio, serviços e instituições financeiras (CNI, CNC, CNS e CNF) ou pelas centrais sindicais (CUT, UGT e NCT), nos casos das turmas que julgam questões previdenciárias.
As indicações são feitas por meio de uma lista tríplice, e os currículos são examinados pelo Comitê de Seleção de Conselheiros, constituído por cinco membros – o presidente do Carf e representantes dos contribuintes, da Procuradoria da Fazenda, da Receita Federal e um de livre indicação do ministro da Fazenda.
Os auditores cedidos ao conselho continuam recebendo seus salários pela Receita Federal. Já os indicados pelos contribuintes não recebem qualquer remuneração. Isso tem levantado questionamentos sobre a isenção desses julgadores e seus reais interesses na função.
Para o Sindifisco, há um “conflito de valores”, já que esses conselheiros costumam ser advogados de escritórios que atuam em casos em julgamento pelo Carf. “É muito estranho, num mundo em que o tempo tem um valor tão relevante, que você dedique uma, duas semanas do seu mês a uma função não remunerada”, questiona Sergio André Rocha, advogado tributarista e professor da faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Acredito que muitos aceitem pelo marketing que ter exercido essa função terá sobre sua atividade de advocacia ou de consultoria no futuro. Mas há outros interesses não tão legítimos assim, estimulados por essa própria estrutura de função não remunerada.”
Ex-secretário da Receita Federal, Maciel é contra a extinção do Carf
Cada turma julgadora tem seis membros (três de cada lado) e quem decide em caso de empate é o presidente da turma, sempre um representante da Fazenda. Temas polêmicos, em que ainda não há uma jurisprudência estabelecia, acabam sempre dando empate e sendo decididos em favor da Fazenda.
Por outro lado, no atual modelo, bastaria corromper um conselheiro representante da Receita Federal para obter uma decisão favorável aos interesses empresariais.
Esse modelo é chamado de “paritário” por ter igual número de representante dos “dois lados” da disputa. Ele ganhou corpo durante os governos de Getúlio Vargas (1930-1955 e 1950-1955), que se inspiraram no sistema fascista italiano de representação de classe (empresarial e trabalhadora), e está presente também na Justiça Eleitoral e do Trabalho, observa Maciel.
“Incomoda um pouco esse negócio de conselheiro da Fazenda e conselheiro do contribuinte, porque o sujeito não está ali para defender posição alguma. Ele está ali para julgar de forma objetiva. O ideal seria que houvesse uma seleção de julgadores por concurso e que o Carf passasse a ter um número ímpar de julgadores”, defende Rocha, da UERJ. Rocha explica que parte do setor privado resiste à mudança por acreditar que advogados particulares teriam menos interesse nos concursos do que funcionários da Receita Federal, o que tornaria o órgão mais favorável à Fazenda. Ele considera que isso pode acontecer no início, mas acredita que com o tempo, se o órgão for tornado independente do ministério, a tendência é que os conselheiros concursados ganhem autonomia.
Entre os órgãos equivalentes ao Carf nas esferas estaduais, o de Pernambuco é o único que instituiu o concurso em 1991 e, em 2000, extinguiu os três cargos que ainda eram de indicação dos contribuintes. O presidente do órgão, Marco Antônio Mazzoni, diz que os julgadores acabam se tornando especialistas na matéria, pois se dedicam exclusivamente ao assunto. “Alguns questionam: vocês são funcionários do Estado. Ora, todos os juízes também são. Mas é garantida a independência. A carreira própria e a estabilidade do concurso garantem que o julgador não fique sujeito às pressões nem do contribuinte nem do Estado pagador dos salários”, explicou.

Fonte: http://www.bbc.co.uk

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